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O que aprendi com o câncer

Os pacientes ficam extremamente gratos ao médicos que tratam o paciente e não apenas seu tumor

Por Marianne Pinotti
Atualizado em 7 out 2019, 15h12 - Publicado em 7 out 2019, 12h46

Provocada por um querido amigo e colega que me deu a honra de escrever o prefácio de um livro no qual ele compilou depoimentos de pacientes tratadas por câncer de mama sobre o que a doença trouxera de bom em suas vidas.  Considero-me uma pessoa atenta às questões emocionais, de sofrimento e alegrias de minhas pacientes, mas confesso que precisei ir bem mais fundo para entender o significado e a importância desta proposta. Baseando-me nesta reflexão, escrevo estas linhas, pois creio que todos nós que fazemos parte da equipe de saúde que lida com oncologia, devemos sempre refletir.

Algumas de nossas Faculdades de Medicina e serviços de Residência Médica ensinam, ao menos em teoria, formas de lidar com doenças graves que podem ameaçar a vida. Entretanto, muitas vezes, estas lições estão mais focadas em se proteger do que dar alento ao doente que se encontra sob seus cuidados. 

Aprendemos dos relatos de Elisabeth Kubler-Ross, no indispensável livro “A roda da vida” que o impacto do diagnóstico de câncer faz com que a paciente enfrente cinco fases: Raiva, Negação, Negociação, Depressão e Aceitação. E que devemos acompanhar as diferentes reações e dar suporte no que pudermos. Ensina a nós, os profissionais de saúde, como a maneira de lidarmos com a morte se tornou fria e solitária, sugerindo inclusive que reflitamos sobre nossa própria morte e valores centrais de nossas vidas e, como muitas vezes, é difícil comunicar verdades a nossas pacientes sem afogar a esperança. 

Com os anos passando e a experiência se acumulando, podemos tanto nos distanciar do sentir ou nos aprofundar, misturar e transformar com os ensinamentos que cada uma destas mulheres nos trazem, e melhorar e crescer juntos. Sofremos mais ou menos de acordo com a opção que fazemos, mas sou convicta de que nos tornamos seres humanos melhores quando nos permitimos refletir, colocando-nos no lugar do outro, doando compreensão e afeto, além de conhecimento e segurança, e atravessando este difícil momento de vida juntos, de mãos dadas com nossas pacientes.

Uma história real

Recordo-me de um momento que vivi com meu Pai e Mestre, Prof. Pinotti, que nos seus mais de 50 anos como médico aprimorou sempre a arte de compreender e tratar a paciente integralmente e não apenas o seu tumor. Ele sempre dizia a verdade e transmitia esperança por mais grave que fosse a situação. Eu o acompanhava em suas consultas e, certo dia, fui conversar com uma paciente que não o via há 20 anos. Perguntei-lhe sobre sua queixa principal e iniciei a anamnese, e ela, com a voz serena, me disse que não viera para se tratar, mas sim para agradecer e dar um abraço em seu grande amigo Dr. Pinotti. 

Ele então entrou na sala, abraçaram-se longamente, Ela, emocionada, relembrou que há 22 anos entrara em seu consultório apavorada, sentindo-se traída pelo destino e por Deus já que, no auge de sua vida, aos 42 anos, fora diagnosticada com um câncer de mama grave, que perderia sua mama, passaria por tratamentos difíceis e dolorosos e suas chances eram poucas de ficar curada. 

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Contou que conversaram durante uma hora inteira e, conforme ele foi esclarecendo suas dúvidas, ela percebeu que ele se importava, que ele estava “jogando no seu time” – palavras dela – surgiu confiança e esperança.

“O senhor não mentiu para mim em momento algum, mas também não ceifou minhas esperanças e vontade de continuar. Do câncer levo uma cicatriz, uma mama um pouco maior do que a outra, as lembranças e fotografias de uma cabecinha pelada e alguns dias de náuseas e mal estar, mas essa experiência mudou minha vida, me tornei uma mulher mais forte, entendi que deveria cuidar de mim para poder cuidar de quem amo, passei a me alimentar melhor e fazer exercícios, me senti forte e vitoriosa. Passei a não me aborrecer mais com fofocas e gente que não gosta de mim. 

Senti necessidade de ajudar outras pessoas, de doar amor, de fazer o bem. Não que eu fosse uma pessoa má, mas na correria da vida eu não parava para pensar que o mundo precisa mais de amor, solidariedade, afeto, generosidade do que precisa de produção. Hoje moro longe, Dr. Pinotti, faço meus exames de controle com uma ginecologista jovem que foi sua aluna, mas quis vir aqui abraçá-lo, agradecer e mostrar ao senhor que aquela paciente frágil que o senhor acolheu há tantos anos, amadureceu e se tornou melhor.” 

Esta passagem sempre me comoveu. Como é gratificante quando nos é permitido fazer parte da vida de mulheres tão especiais que, após enfrentarem uma situação difícil, se reinventam e transformam para melhor sua vida e o mundo a sua volta!

 

Dra. Marianne Pinotti

 

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