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Corticoides para tratar a obesidade?

Estudos abrem caminho para a possibilidade de uso de corticoides, sem o risco de efeitos adversos, no combate à inflamação causada pela obesidade

Por Freddy Goldberg Eliaschewitz
20 dez 2017, 12h58

Que a obesidade é o principal fator de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 é fato estabelecido há várias décadas. A epidemia global em curso de diabetes é consequência direta do aumento da prevalência de obesidade, observada na maioria dos países a partir dos anos 60.

Entenda a relação entre obesidade e diabetes

Quando uma pessoa engorda, o seu tecido adiposo aumenta. Essa expansão do tecido adiposo requer um aumento correspondente da rede vascular para supri-lo de oxigênio e nutrientes. Ocorre que se o aumento do tecido adiposo for proporcionalmente maior do que a rede vascular (o que geralmente ocorre quando o ganho de peso é grande ou rápido), as células do tecido adiposo passam a ser submetidas a um ambiente de relativa escassez de oxigênio (hipóxia). Nesta condição, secretam substâncias que atraem um tipo de glóbulos brancos, os macrófagos, que passam a infiltrar o tecido adiposo.

Os macrófagos infiltrados no tecido adiposo são ativados e passam a secretar várias substâncias (citocinas). Algumas facilitam o crescimento de novos capilares, amenizando a falta de oxigênio, e outras, como o TNF alfa, têm a propriedade de diminuir o efeito da insulina, o hormônio que controla o nível de açúcar (glicose). Deste modo, quem desenvolve obesidade tem agora que produzir muito mais insulina para superar o efeito inibidor das substâncias produzidas pelos macrófagos que passaram a habitar o seu tecido adiposo expandido.

Ocorre, porém, que as citocinas produzidas pelos macrófagos, além de provocar resistência à insulina, têm efeitos sobre o sistema nervoso, especialmente em uma região chamada hipotálamo ventro-medial. Esta área é responsável pelo acoplamento entre o ganho e o gasto de energia, ou seja, é a parte do cérebro que regula o apetite de acordo com o gasto de energia, permitindo que a maioria das pessoas mantenha seu peso, sem ficar conscientemente regulando a quantidade de alimento que ingere.

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Inflamação

As citocinas, e também as gorduras saturadas de origem animal, de acordo com pesquisas recentes realizadas na Unicamp pelo pesquisador Licio Velloso, induzem uma inflamação no hipotálamo. Com o tempo, essa inflamação pode levar a uma lesão permanente nessa região fazendo com que o indivíduo que ganhou peso por mais de cinco anos tenha enorme dificuldade de manter o peso magro após um regime de emagrecimento, já que o órgão que vai regular o apetite para manter o peso teve sua função comprometida e a manutenção do peso agora vai depender de um esforço consciente e constante de comer menos do que o apetite manda.

Na última década foram desenvolvidos tratamentos para a obesidade baseados no uso de análogos do GLP-1, que é um hormônio produzido pelo intestino que age no hipotálamo induzindo saciedade. Como o GLP-1 não corrige a inflamação, o seu uso deve ser contínuo porque assim que é descontinuado o paciente volta a sentir um apetite desproporcional ao seu gasto de energia.

O papel dos corticoides

Por outro lado, a medicina de longa data conhece anti-inflamatórios poderosos, como os corticoides. Paradoxalmente, os corticoides, quando utilizados por muito tempo em doses suficientes para suprimir a inflamação, podem provocar diabetes, hipertensão, glaucoma, osteoporose e, por causar proliferação das células adiposas, também podem levar à obesidade.

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Um grupo de pesquisadores da Alexander von Humboldt Foundation, na Alemanha, conseguiu conjugar de modo estável a molécula da dexametasona (um corticoide potente) com a molécula do GLP-1. Como o GLP-1 só penetra em células que tem receptores específicos, como as células do hipotálamo ventro-medial, o corticoide ligado irreversivelmente ao GLP-1 não tem acesso a outros locais do organismo.

Em outras palavras, os cientistas utilizaram a molécula do GLP-1 como um transportador que leva o corticoide apenas aos locais onde o GLP-1 penetra.

Com isso, puderam combater a inflamação no hipotálamo de ratos com obesidade induzida por dieta rica em gordura, utilizando doses de dexametasona que não aumentaram a glicose no sangue, não produziram osteoporose ou qualquer outro efeito colateral comumente visto com o uso de corticoides.

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Além disso, enquanto que o principal efeito do GLP-1 no hipotálamo é a inibição do apetite, a dexametasona, além de combater a inflamação, programa o hipotálamo para um maior gasto de energia.

Gráfico - Estudo do uso de corticoide para obesidade
Gráfico – Estudo do uso de corticoide para obesidade (Foto/Divulgação)

Na figura acima podemos verificar a perda de peso dos animais que receberam o GLP-1/Dexa em comparação com o GLP-1 ou dexametasona isoladamente. A perda de mais de 20% do peso em duas semanas é, sem dúvida, relevante independentemente do modelo experimental.

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Naturalmente, esse estudo é uma prova de conceito inicial, que necessitará de estudos pré-clínicos de longo prazo antes de ser administrados a humanos. Mas, sabendo o papel da inflamação no vínculo entre obesidade e diabetes e da inflamação especificamente no hipotálamo, na perpetuação da obesidade, poder utilizar o potente efeito anti-inflamatório dos corticoides, sem sofrer seus efeitos adversos, é certamente um caminho que vale a pena explorar.

Referência :

Quarta C, Clemmensen C, Zhu Z, Yang B, Joseph SS, Lutter D, Yi CX, Graf E,
García-Cáceres C, Legutko B, Fischer K, Brommage R, Zizzari P, Franklin BS,
Krueger M, Koch M, Vettorazzi S, Li P, Hofmann SM, Bakhti M, Bastidas-Ponce A,
Lickert H, Strom TM, Gailus-Durner V, Bechmann I, Perez-Tilve D, Tuckermann J,
Hrabě de Angelis M, Sandoval D, Cota D, Latz E, Seeley RJ, Müller TD, DiMarchi
RD, Finan B, Tschöp MH. Molecular Integration of Incretin and Glucocorticoid
Action Reverses Immunometabolic Dysfunction and Obesity. Cell Metab. 2017 Oct
3;26(4):620-632.e6. doi: 10.1016/j.cmet.2017.08.023. Epub 2017 Sep 21

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(Heitor Feitosa/VEJA.com)

 

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