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Câncer: o diagnóstico precoce é o melhor tratamento

A prevenção e o diagnóstico precoce são as estratégias mais eficazes de combate à doença. Seu potencial é maior do que o melhor tratamento

Por Luiz Paulo Kowalski
2 fev 2018, 12h13

Até o início do século passado, ter o diagnóstico de câncer significava sofrimento e quase certeza de morte. Lentamente o conhecimento avançava e passamos a identificar melhor as causas das diferentes formas da doença e desenvolver diversas formas de tratamento.

Até os anos 70, chegou-se praticamente ao limite da extensão de cirurgias, da dose de radioterapia e das combinações dos quimioterápicos conhecidos. Tratar pacientes com determinados tipos da doença com o melhor método terapêutico disponível permitiu que as taxas de cura atingissem de 50% a 60%, mas, por vezes, as sequelas do tratamento eram tão severas que parecia não ser possível ir além.

A partir dos anos 80, o conhecimento científico na oncologia evoluiu em progressão geométrica. Nesses últimos anos, foram incontáveis os avanços na identificação de fatores de risco e no entendimento da evolução do câncer. Um grande marco foi o ambicioso Projeto Genoma do Câncer.

Ele criou novos desafios que motivaram o desenvolvimento de grandes consórcios de pesquisa e extraordinárias ferramentas de bioinformática. Houve uma revolução nos métodos de diagnóstico e de terapêutica. Hoje temos drogas-alvo específicas para algumas doenças. Hoje temos melhores marcadores para diagnosticar e acompanhar a resposta aos tratamentos. Hoje temos cirurgias minimamente invasivas, radioterapias mais focadas. No entanto, o custo ainda é elevado e a disponibilidade restrita.

Ainda que existam meios para ampliar a prática da medicina personalizada, tratando cada paciente individualmente, de acordo com suas peculiaridades, esta realidade restringe-se a alguns centros de excelência em nosso meio. Mesmo nesses centros, com todos os recursos disponíveis, ainda cerca de um terço dos pacientes não podem ser curados.

A importância do diagnóstico precoce

Esses recursos precisam estar aliados ao diagnóstico precoce para serem efetivos, o câncer diagnosticado no início de seu desenvolvimento resulta em um tratamento menos complicado e muito mais eficiente. Diagnosticar o câncer em fases avançadas é fácil, mas tratar é difícil e curar mais difícil ainda.

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A prevenção e o diagnóstico precoce são as estratégias mais eficazes de combate à doença. Seu potencial é maior do que o maior avanço que possa haver em cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapias-alvo ou até mesmo na moderna imunoterapia.

Quando o câncer é descoberto cedo, o paciente geralmente é tratado em um curto período por uma única modalidade de tratamento e com propósito curativo. Pensando nas modalidades terapêuticas tradicionais, a cirurgia geralmente é minimamente invasiva. Se a opção for por radioterapia, geralmente a área tratada pode ser bem limitada, preservando-se os tecidos saudáveis, diminuindo os efeitos colaterais e oferecendo melhor qualidade de vida para o paciente.

A doença avançada, mesmo que ainda não disseminada (metástase), resulta na necessidade de uma abordagem mais invasiva, combinando-se duas ou três modalidades de tratamento, com maior risco de complicações e custo. E por mais que hoje tenhamos recursos melhores que no passado, como algumas drogas especialmente desenhadas para determinado perfil de tumor, o resultado ainda é considerado insatisfatório.

Prevenção

Todos precisam adotar medidas preventivas? Existe um grupo de pessoas que apresenta maior risco? É correto só se preocupar quando já há pelo menos um caso da doença na família? Quem não tem casos familiares pode ficar tranquilo? A resposta geral a estas perguntas é que todos devem se prevenir. Isso porque apenas 1 em cada 10 tumores diagnosticados tem relação comprovada com herança familiar.

O que se sabe hoje é que 9 em cada 10 casos da doença estão ligados à interação do ser humano com o meio ambiente, seja por hábitos nem sempre saudáveis, seja por meio da exposição a fatores e agentes de diferentes origens. Há muito se tem certeza que o controle da exposição a estes agentes pode reduzir o risco de uma pessoa ter câncer.

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A maior parte das pessoas não adota medidas preventivas por não conhecer estes fatos. Muitos se consideram invulneráveis: tenho saúde de ferro, nunca fiquei doente. Quantas vezes vi pacientes pararem de fumar quando recebem o diagnóstico de câncer, ou prometerem fazer uma dieta saudável, ou protegerem-se do sol.

Prevenção primária, secundária e terciária.

Ainda que as medidas de prevenção devam ser tomadas de forma global, para facilitar o entendimento costuma-se separá-las em prevenção primária, secundária e terciária.

A prevenção primária se refere às ações que reduzem o risco de que o câncer ocorra e incluem hábitos de estilo de vida saudáveis, evitando a exposição aos fatores de risco conhecidos como tabaco, álcool e alguns tipos de alimentos. Prevenção secundária são as ações que visam à detecção precoce da doença antes que ela cause sintomas e, consequentemente, possa ser tratada com grande chance de cura. Essa descoberta se dá por meio de programas de rastreamento em pessoas aparentemente sadias, usando algum método diagnóstico, dentre eles mamografia, papanicolaou, colonoscopia, toque retal e dermatoscopia. Prevenção terciária, por sua vez, visa dar agilidade ao processo de diagnóstico e tratamento de câncer em pacientes que já apresentam sintomas.

Didaticamente parece simples. Fala-se disso desta mesma maneira há meio século. Então por que muitas vezes ainda não vemos isso acontecer na prática? Talvez porque as pessoas que se preocupam com saúde já adotem estas medidas e a informação somente reforça os hábitos. Já aqueles que não têm este tipo de preocupação não são motivados a mudar seus hábitos e ignoram qualquer tipo de programa educativo.

Como colocar em prática?

Você pode se perguntar: como mudar o panorama atual e colocar a prevenção em prática? É preciso motivar todas as pessoas, desde a infância, a adotarem medidas simples. O combate ao câncer começa com conscientização e atitude. Na prática, é por meio da adoção de hábitos de vida saudáveis que evitem ou amenizem a exposição aos principais fatores de risco: alimentação desequilibrada, tabagismo, obesidade, exposição excessiva ao sol sem proteção, consumo exagerado de bebidas alcoólicas, exposição profissional a agentes cancerígenos sem uso de meios de proteção, exposição a alguns vírus, como o HPV, transmitido pelo sexo desprotegido, dentre outros.

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Sempre é tempo para mudar os hábitos. Mesmo uma pessoa que tenha fumado por vários anos, pode se beneficiar do abandono do consumo de cigarros. Em alguns anos, o risco do ex-fumante pode igualar-se ao daqueles que nunca fumaram.

Nesse sentido, nós médicos recomendamos a prática regular de atividade física; a adoção de uma alimentação equilibrada que privilegia consumo de fibras, frutas e verduras e que evite os embutidos e defumados; não fumar; beber com moderação; evitar exposição excessiva ao sol; e a contaminação por vírus, como o HPV, que está relacionado com câncer de colo do útero, pênis, ânus e de cabeça e pescoço e o da Hepatite B (fator de risco para câncer de fígado). Uma medida fundamental é estimular a adesão aos programas de vacinação contra o vírus HPV em meninos e meninas. Este vírus é a causa de 99,7% dos casos de câncer de colo do útero, além de ser um fator de risco importante para o desenvolvimento de tumores de cabeça e pescoço, pênis e reto.

Sistema de saúde estruturado

É fundamental que a doença seja desmistificada, que a sociedade esteja munida de informação qualificada sobre o tema. Paralelamente, não é menos importante que o sistema de saúde em nível de atenção primária esteja bem estruturado e tenha médicos (e dentistas) com conhecimento, capazes de identificar doenças pré-neoplásicas, e preparados para indicar e realizar exames preventivos.

É necessário, por sua vez, que todos os profissionais de saúde também estejam bem informados sobre os fatores de risco, a história natural da doença e os métodos de diagnóstico para, desta forma, avaliar e orientar corretamente os pacientes e não deixar a doença em estádios iniciais passar despercebida e se disseminar para outros órgãos.

Métodos de rastreamento

A recomendação é que os pacientes sejam orientados e encaminhados para realização dos exames pertinentes a cada caso, levando em conta o seu perfil e fatores de risco para desenvolvimento da doença. Com 58.000 novos casos previstos para 2017, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o câncer de mama é, depois dos tumores de pele não melanoma, o mais comum entre as mulheres. Para esse tipo de câncer há um dos mais consolidados métodos de rastreamento, a mamografia. O mesmo princípio se aplica a outro tumor frequente da mulher, que é o de colo do útero, com 16.000 novos casos estimados para este ano, e que pode ser diagnosticado no início por meio do exame de papanicolau.

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Para os homens, a partir dos 15 anos, recomenda-se o autoexame dos testículos. Ao perceber qualquer alteração é indicado procurar um médico. O câncer de testículo, embora raro, é mais prevalente no adulto jovem. Já, para o câncer de próstata, com mais de 60 mil novos casos estimados em 2017 de acordo com o Inca, são candidatos ao rastreamento homens a partir dos 50 anos que não têm histórico familiar de câncer de próstata e não apresentam sintomas. Por sua vez, os indivíduos que têm na família um ou mais casos desse tipo de câncer ou os afrodescendentes, devem antecipar o toque retal e o PSA para os 45 anos.

Outro modelo comprovadamente eficaz de rastreamento é a colonoscopia, que tem o propósito de identificar e retirar pólipos que estão pendurados na parede do intestino e, desta forma, se evita que a doença ocorra. Tanto para os homens quanto para as mulheres, a recomendação é que a primeira colonoscopia seja realizada aos 50 anos na população assintomática. A periodicidade da repetição do exame é indicada caso a caso.

O câncer bucal tem como principais fatores de risco o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas, mas também podem contribuir os traumas crônicos e hábitos alimentares não saudáveis. Nos últimos anos foi verificada a ocorrência desse câncer em pessoas mais jovens, não expostas a estes fatores. Em cerca de 1/3 desses casos comprova-se associação com o HPV.

O autoexame da boca, que é a simples inspeção da mucosa com a boca bem aberta, sob boa iluminação diante de um espelho, permite identificar manchas brancas, manchas avermelhadas, nódulos ou feridas. Não tente adivinhar o diagnóstico. Procure um médico ou dentista para que ele esclareça o diagnóstico. Lembre-se, câncer em fases iniciais não causa dor nem qualquer outro sintoma.

A prevenção do câncer é a melhor estratégia para controlar a crescente incidência de câncer. Em âmbito global são registrados 14 milhões de novos casos por ano, segundo o levantamento Globocan, da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (Iarc), que é o braço da Organização Mundial de Saúde nas questões relacionadas à pesquisa do câncer.

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Com mais de 8 milhões de mortes anuais, o câncer é considerado uma doença crônica, estimando-se que 32,6 milhões de pessoas vivem hoje após terem recebido o diagnóstico. No Brasil, são estimados para 2017, segundo dados do Inca, 600.000 novos casos da doença.

 

Letra de Médico - Luiz Paulo Kowalski
(Edson Lopes Jr./VEJA.com)

 

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