Enquanto existir violência policial contra negros, não haverá democracia
A maneira como as forças policiais trata os negros nos devolve ao tempo da idade média

A envergadura e efetividade do Estado Democrático de Direito, no nosso país, medido pela maneira como as forças policiais tratam os negros, nos devolvem ao tempo da idade média. Confronta todos os valores civilizatórios e rasga o contrato social onde o indivíduo repassa ao estado a obrigação de garantir-lhe a liberdade, a igualdade, à vida e a integridade, em troca da submissão ao império da lei e da convivência pacífica e fraterna com os demais membros do grupo social.
Na sua interação com os negros, as forças policiais, em regra, de forma autoritária revogam a norma legal e, colocam no seu lugar, uma ação padronizada de hostilização, agressão e transgressão dos direitos fundamentais. Deliberadamente, cerceiam, confrontam e negam a vigência e o alcance dos princípios da legalidade, imparcialidade e moralidade, fundantes do ato estatal. Além disso, de forma seletiva e arbitrária operam códigos de conduta próprios e informais, e escolhem quem pode usufruir dos direitos, vilipendiando todos os demais. Tudo, sem que a sociedade denuncie ou se levante, sem que os órgãos de controle e fiscalização repilam vigorosamente, e, sem que as instituições e seus gestores sejam prontos e inapelavelmente responsabilizados.
Ser impedido de se locomover de bicicleta nas vias públicas e ser detido e algemado por conta da suspeição representada pela cor da sua pele, como fizeram policiais da Polícia Militar de Goiás é a manifestação da negação do direito de liberdade de ir e vir. Ser abordado e agredido com um soco no rosto, e ainda ser qualificado como “lixo” e “negão”, como fizeram policiais da Polícia Militar de São Paulo; e, ser assassinado numa ação policial do estado por conta de suspeição da aparência de bandido ou porte de antecedentes criminais, como fez a Polícia Civil do Estado Rio de Janeiro, na comunidade de Jacarezinho, além de abusivo e criminoso, é um atentado à dignidade da pessoa humana.
Somados esses e as centenas de casos semelhantes contra os negros, fruto sobejo do racismo estrutural policial, e, acrescentado a ação da Polícia Militar do Estado de Pernambuco cuja intervenção numa passeata pacífica, em Recife, resultou em dois cidadãos atingidos nos olhos, por balas de borracha atirada a esmo; a detenção pela PM de Goiás de um professor que trazia em seu carro uma faixa com dizeres contra o presidente Jair Bolsonaro, a detenção pela Polícia Militar de Uberlândia de um jovem que postou mensagem contra o presidente, fica evidente que as polícias brasileiras, além de pensamento e ação de viés racista contra os negros, está em rápido processo de deterioração institucional e funcional.
Porções destacadas delas, além de colocar em grave risco as garantias constitucionais dos cidadãos negros, caminham em passos largos para contrapor e colocar em perigo, além do estado de direito, o próprio regime democrático. Lembremo-nos do motim da PM Cearense, quando policiais disparam dois tiros no peito do ex-governador Cid Gomes, e nenhum amotinado foi responsabilizado. Lembremo-nos dos policiais marchando a cavalos e motocicletas com Bolsonaro e lembremo-nos do delegado da polícia carioca, afirmando à imprensa, que a operação policial na comunidade do Jacarezinho não se submetia a ativismo jurídico – em relação à proibição do STF de operações policiais nas comunidades no curso do combate à Covid-19.
Anotemos, por oportuno, as palavras de encerramento dos discursos do Comandante Geral e do Comandante da Academia de Polícia de Brasília, no dia 2 de junho, por ocasião da formatura de policiais, e, diante da presença do presidente Bolsonaro: Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.
Anotamos, por fim, que o Ministro da Defesa e o Alto Comando do Exército não verificaram qualquer responsabilidade ou transgressão disciplinar do general Pazuello, militar da ativa, por discursar em carro de som, em evento politico, no Rio de Janeiro na companhia do Presidente da Republica.