Senado suspeita da Câmara, que não confia no Senado
Senadores protestaram diante do presidente da Câmara. A crise decorre do orçamento paralelo, que deformou as relações nos plenários do Congresso

O Senado suspeita da Câmara, que não confia no Senado.
Ontem, houve um protesto inédito: vários senadores fizeram questão de registrar essa desconfiança diante do deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que participou da promulgação parcial da emenda constitucional do calote nas dívidas judiciais (precatórios).
É uma crise decorrente do manejo em segredo de um autêntico orçamento paralelo. Isso deformou as relações nos plenários do Congresso.
Desde 2020 foram gastos R$ 23,4 bilhões em emendas parlamentares (sob código RP-9) sem qualquer transparência, para assegurar maioria legislativa ao governo Jair Bolsonaro.
As negociações com deputados e senadores — alguns da oposição — foram supervisionadas pelo deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, em coordenação com chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI).
Liquidou-se a isonomia entre parlamentares. Por lei, cada um tem direito a indicar, por emenda ao orçamento, investimento de R$ 15 milhões em seus estados e Municípios.
Passou a prevalecer a percepção de que alguns parlamentares são menos iguais que outros, embora a lei garanta a todos um mesmo peso específico — um parlamentar, um voto.
Senadores descontentes tentaram criar uma vincular a programas sociais todos os recursos adicionais (R$ 106 bilhões) para 2022, derivados do calote nas dívidas judiciais (precatórios).
Ontem, na promulgação da emenda constitucional, entenderam que uma parte (R$ 65 bilhões) ficou sem a amarração que previam, o que torna viável a continuidade e até um aumento das verbas no orçamento paralelo (R$16 bilhões).
“Essa PEC não passaria [no Senado]”, protestou a senadora Simone Tebet, cuja candidatura presidencial foi anunciada ontem pelo MDB. Dirigia-se a Rodrigo Pacheco, presidente do Senado e candidato pelo PSD. Lira assistia, emudecido: “Na reunião de líderes, nós autorizamos [Pacheco] a promulgar o que era coincidente [nos textos aprovados no Senado e na Câmara]. Mas desde que jamais deixasse solta a vinculação [aos programas sociais]. Se tivesse que deixar solta, nós não promulgaríamos nada.”
Álvaro Dias (Podemos-PR) classificou como “inusitada” as manobras na Câmara que “explicitam outras intenções”.
Acrescentou, olhando para Lira: “O que se pretende não é apenas recursos para pagar o Auxílio Brasil. Vamos ser francos. O que se pretende são bilhões para um gasto aleatório no ano eleitoral, para a prática do populismo. É isso que se deseja.”
A torrente de críticas prosseguiu, com Lira mudo e imóvel, ao lado de Pacheco, que comandava a sessão.
Confiança é, hoje, a mercadoria mais escassa nos plenários do Congresso.