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Sem plano claro, governo aumenta os riscos na crise energética

Ministro de Minas e Energia foi mais expressivo pela omissão do aviso de perigo. Sem clareza com a sociedade, não pode esperar solidariedade

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jun 2021, 09h44 - Publicado em 29 jun 2021, 09h00

Bento de Albuquerque ficou submerso mais da metade dos seus 62 anos. É um expoente da ala dos submarinistas que, nos anos 90 do século passado, ganhou a luta interna na Marinha pela definição do futuro tecnológico da força naval — baseado no projeto, desenvolvimento e montagem no país de uma frota de submarinos nucleares. Com Jair Bolsonaro foi comandar o Ministério de Minas e Energia.

Albuquerque deve a vida à ciência e, por isso, não deve ter prestado atenção quando, em tom supersticioso, alguém lembrou que seria o quarto ministro nos últimos 30 meses a discursar na hora do jantar, em cadeia nacional obrigatória de rádio e televisão. Antes dele, três ministros de Bolsonaro invadiram as telas e surfaram nas ondas de rádio.

Ricardo Salles, então no Meio Ambiente, garantiu “todas as providências” para conter o derramamento de óleo “da Venezuela” no litoral do Nordeste e, sobretudo, para punir os responsáveis. A poluição não foi contida, a origem do óleo não foi confirmada, os delinquentes até hoje não foram identificados. Há uma semana Salles deixou de ser ministro por estar sob investigação no Brasil e nos Estados Unidos sob suspeita de cumplicidade em contrabando de madeiras amazônicas.

Na sequência veio Abraham Weintraub, então ministro da Educação. Falou para cinco milhões de estudantes ansiosos pela prova do Enem na disputa por uma vaga na universidade. Gastou tempo e dinheiro dos contribuintes falando sobre a importância da caneta “preta” e do telefone celular desligado. Prometeu um futuro de “modernidade”, que não aconteceu, mas o Enem de 2019 ficou na história dos seus erros na Educação. Weintraub trocou o ministério por uma mamata governamental em Washington, estreando a nova modalidade de foro privilegiado para quem está sob investigação judicial em Brasília.

Eduardo Pazuello foi terceiro do governo Bolsonaro a interromper o jantar das pessoas com um discurso no rádio e televisão: “O Ministério da Saúde está preparado e estruturado em termos financeiros, organizacionais e logísticos para executar o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.” Não estava, como mostram os documentos oficiais e os testemunhos na CPI da Pandemia.

A sobriedade talvez seja o fator que mais distingue Albuquerque, ministro das Minas e Energia, de tipos atrapalhados como Pazuello, Weintraub e Salles. Não o exime, porém, da responsabilidade na maior crise hídrica das últimas nove décadas.

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Ele evitou o realismo ontem. Mergulhou, como manda o manual de fantasias do Palácio Planalto, que acha a palavra “racionamento” maldita, e garantiu “fornecimento de energia elétrica aos brasileiros.”

Há pelo menos três meses o governo possui dados atestando essa probabilidade. Ela é pequena, mas existe. Como aconteceu em 2001.

Na época, o governo identificou “5% de probabilidade” de racionamento. O problema foi confundir uma coisa, a dimensão da probabilidade de ocorrer, com outra, o tamanho do desastre na eventualidade da ocorrência.

Albuquerque provavelmente sabe a diferença, até porque fez aquilo que outros no governo jamais fizeram — conversar com quem já fez a travessia em graves crises. Recentemente ele ouviu, por exemplo, Pedro Parente, o “piloto” do governo Fernando Henrique Cardoso na crise energética da virada do milênio.

O fiasco governamental no descontrole da pandemia é ilustrativo. O governo amarga as consequências da arrogância e incompetência, reflexos da postura do seu chefe. Não quis entender que a crise pandêmica trazia a chance de unir o país num esforço comunitário, a exemplo da crise energética de 2001. Preferiu a fantasia política do negacionismo radical, com tintura religiosa. O resultado está aí, na CPI e nas pesquisas de avaliação da administração Bolsonaro.

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Albuquerque perdeu mais uma chance, ontem, de apresentar uma mensagem clara sobre o tamanho e a complexidade do novo problema que 212 milhões de brasileiros têm neste segundo semestre, junto com a pandemia que não acabou. Não foi objetivo sobre a chance real de corte de abastecimento de energia, ou se isso simplesmente não existe — e, nessa hipótese remota, por quais razões.

LEIA TAMBÉM: Crise hídrica abre disputa pelo valor e o uso de água

Escolheu falar em dialeto tecnocratês: “Além de monitorar o setor elétrico 24 horas por dia, montamos uma estrutura de governança para coordenar, com rapidez e segurança, as ações dos vários órgãos envolvidos no enfrentamento do atual cenário de escassez hidroenergética.”

Traduzindo, o governo “está preparado e estruturado”, como diria o ex-ministro Pazuello, já tomou “todas as providências”, como garantia Salles, e todos têm lugar assegurado no futuro da “modernidade”, como prometia de Weintraub.

No jantar de ontem, o ministro das Minas e Energia foi mais expressivo pela omissão do aviso de perigo.  Sem clareza e franqueza com a sociedade, dificilmente poderá contar com solidariedade — a “fundamental ajuda do povo” sem qual “poderia ter sido muito pior”, como reconheceu o então presidente Fernando Henrique, no epílogo da crise de 2001.

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No café da manhã de hoje, o país continua sob o risco do governo perder a bússola na crise energética, em meio ao fiasco do descontrole da pandemia.

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