O desgaste de Aras no duelo com Moraes
Procurador-geral amarga derrota em embate com juiz do STF e desgasta a sua imagem de independência de Bolsonaro, que o nomeou
Dentro de cem dias Augusto Aras deixa a função de procurador-geral da República, se não for reconduzido a um segundo mandato por Jair Bolsonaro.
Ontem, Aras pode confirmar uma das pedras no seu caminho, tanto para continuar na procuradoria-geral como para realizar o seu reconhecido desejo de vestir uma das onze togas de juiz do Supremo Tribunal Federal.
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A trava apareceu, lateralmente, em despachos do juiz Alexandre de Moraes, do Supremo, ao recusar um pedido do gabinete de Aras para que renunciasse à condução do inquérito sobre Ricardo Sales — “um ministro excepcional” na definição de Bolsonaro.
O ministro do Meio Ambiente levou o governo Bolsonaro ao centro de uma investigação internacional sobre crimes ambientais na Amazônia.
Está sob suspeita no Brasil e nos Estados Unidos de ter atuado em benefício de empresas acusadas de contrabandear madeira ilegalmente extraída da Amazônia.
O inquérito brasileiro teve origem na investigação americana, no início do ano passado.
Na reunião ministerial de abril, Salles propôs a Bolsonaro aproveitar a “oportunidade” da atenção pública concentrada no avanço da pandemia e “passar a boiada” em todas as áreas de governo. E apresentou a fórmula que havia adotado no Meio Ambiente: “Parecer, caneta.”
Parlamentares protestaram em ação no Supremo. Cinco meses depois, o caso foi mandado ao arquivo por decisão do próprio Moraes, baseada num “pedido da Procuradoria Geral da República” — recordou o juiz, ontem.
As investigações sobre as madeireiras seguiram adiante nos Estados Unidos — com a colaboração da União Europeia — e, principalmente, no Brasil. Há duas semanas a polícia apresentou a Moraes um conjunto de fatos novos.
O juiz deu impulso à ação policial. Ao mesmo tempo, retirou do arquivo o inquérito sobre Salles que adormecia desde outubro. Fez isso sem a protocolar consulta prévia ao procurador-geral — algo que não é rotineiro no Judiciário. Julgou a opinião de Aras irrelevante para o “desarquivamento”.
Aras acusou o golpe. E decidiu dobrar a aposta. No espaço de 24 horas fez duas ofensivas contra Moraes.
Primeiro, pediu-lhe a renúncia ao caso. Argumentou com a existência de outros inquéritos, similares e com outro juiz-relator.
Moraes negou. E retrucou, ressaltando a peculiaridade da petição: “Sui generis”, escreveu. Lembrou que o caso Salles é anterior e, também, diferente de outras investigações sobre o ministro, que tramitam em paralelo no tribunal.
Encerrou a querela com um “INDEFIRO” — em maiúsculas e em negrito. Arrematou: “Certifique-se nos autos a ciência do Ministério Público quanto a decisão de desarquivamento.”
Aras replicou com um recurso, apresentado ontem quinze minutos antes do fim do expediente judiciário. Nesse “agravo” dirigido a Moraes, qualificou-o de “relator indevido”.
Evocou um argumento muito usado no Supremo, recentemente, em debates sobre a concentração de inquéritos sobre corrupção na Operação Lava Jato e no ex-juiz federal de Curitiba Sergio Moro: “Paira a dúvida metódica de que possa, sim, haver um único relator (…) ou mesmo um binário de relatores.”
Ainda não é conhecida a resposta do juiz, mas ela virá. E, talvez, seja reafirmada em coro no plenário do tribunal, com ressalvas eventuais e pontuais.
Politicamente, Aras já amarga uma grande derrota nesse duelo com Moraes e desgasta sua imagem de independência de Bolsonaro, que o nomeou.
No Ministério Público Federal há quem veja Aras em autoimolação por Bolsonaro e Salles na praça dos Três Poderes, em Brasília.