Ex-chefe da Receita: “Como é que a perda vai financiar a expansão?”
Everardo Maciel, ex-chefe da Receita, diz que os dados oficiais sobre o novo imposto de Renda mostram perda de arrecadação de R$ 47 bilhões em 2022

Com a experiência de meio século no serviço público, Everardo Maciel apresentou à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, nesta semana, uma análise do projeto para mudanças no Imposto de Renda das pessoas e das empresas. O governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira, julgam imprescindível para financiar programas de socorro aos pobres durante a temporada eleitoral de 2022. Há um impasse no Senado sobre essa proposta.
Maciel já viu quase tudo em Brasília. Passou por quatro secretarias-executivas de ministérios e comandou a Receita Federal no governo Fernando Henrique. Ainda assim, se surpreendeu: “A versão original do projeto conseguiu uma proeza que eu, que lido com esta matéria há 49 anos, jamais vi, que foi a unanimidade dos contribuintes contrários. Todos contra.”
Acrescentou: “Aí, houve uma mudança, o substitutivo. Realmente, alguns contribuintes deixaram de ficar contra – é aquilo que, me permitindo dizer, bem-humoradamente, Roberto Campos chamava de violinista de campo de concentração: ‘Eu vou poupar estes’. Entretanto, conseguiu outra proeza também inacreditável: desagradou a todos os Estados e a todos os Municípios, por óbvia razão, por perda de arrecadação.”
O governo justifica a proposta de mudanças no Imposto de Renda com a necessidade de custear programas sociais, como o auxílio-emergencial. Ele rebate, com argumentando com expressa inconstitucionalidade consolidada há 75 anos — “desde a Constituição de 1946”. Especifica: “Está no artigo 167, inciso IV da Constituição, que veda a vinculação de impostos a fundo, despesa ou órgão, ainda que seja uma vinculação ‘branca’, digamos assim, não uma vinculação no sentido formal.”
Fica pior, ele acha: “Agora, todas as estimativas que são apresentadas mostram que haveria uma queda de arrecadação. Dados produzidos pela Secretaria da Receita Federal a que tive acesso mostram que haveria, no ano de 2022, uma perda de arrecadação de R$ 47 bilhões, dos quais R$ 23 bilhões para a União, R$ 11,2 bilhões para os Estados e R$ 12,8 bilhões para os Municípios. Então é algo que é completamente incompreensível. Como é que uma perda de arrecadação vai financiar uma expansão? Mas não é apenas uma perda, não: é uma enorme perda. Como é que uma enorme perda vai financiar uma expansão? É algo absolutamente sem sentido, sem nenhum nexo.”