‘Custo Bolsonaro’ ficou caro demais, até para Jair Bolsonaro
“Custo Bolsonaro” está subindo muito rápido e começou a ficar caro demais até mesmo para Jair Bolsonaro
O “Custo Bolsonaro” está subindo muito rápido e começou a ficar caro demais até mesmo para Jair Bolsonaro.
Ontem à noite, ele se mostrou preocupado com o impacto do ensaio de locaute organizado pelo governo com algumas empresas de transporte de carga, vinculadas a produtores rurais, em apoio aos comícios no dia da Independência.
Entre segunda (6) e terça-feira (7), dezenas de caminhões de empresas como Grão Dourado, Chiari Agropecuária e Brasil Novo foram deslocados para Brasília. O objetivo era bloquear a Esplanada dos Ministério e cercar a Praça dos Três Poderes, onde ficam o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Conseguiram interromper o trânsito na região durante algumas horas, ontem.
Ao mesmo tempo, de forma coordenada, caminhoneiros empregados bloquearam estradas em uma dúzia de estados. O movimento empresarial cresceu rápido com a adesão de outras empresas de carga, como as do sindicato de transporte de combustíveis de Minas Gerais (Sinditanque).
Os efeitos foram imediatos. Houve corrida aos postos de combustíveis no Distrito Federal, reflexo do temor de desabastecimento como aconteceu durante a paralisação dos caminhoneiros, em maio de 2018, no governo de Michel Temer. Na época o preço da gasolina duplicou em apenas oito horas, nas cidades-satélites de Brasília.
À tarde, a Confederação Nacional das Indústrias começou a repassar ao governo relatos de sindicatos empresariais, como os de Santa Catarina, sobre “ameaças à continuidade da produção e do transporte de insumos e produtos”.
Pelas rodovias escoam 60% das cargas domésticas. A vulnerabilidade das indústrias brasileiras que já era alta no período pré-pandemia, se agravou neste ano com o desequilíbrio global das cadeias de suprimento de insumos e produtos: aumentou (93%) o custo do frete marítimo, o de transporte e armazenamento nos portos (40%%) e o tempo (30%) para a carga chegar ao destino.
O ensaio de locaute promovido por segmentos radicais do agronegócio, em apoio a Bolsonaro numa crise institucional de desfecho imprevisível, fez soar alarmes na indústria, no comércio e no setor financeiro, cuja perspectiva é a de encerrar o ano com inflação e juros de dois dígitos, e de conviver com uma estagnação economia em 2022.
Na aparência, se tratava de “solidariedade” ao presidente politicamente isolado e que publicamente tem se declarado disposto a um golpe de estado.
Na vida real, por trás do ensaio de locaute estava a ideia de aproveitar o protesto bolsonarista para confrontar o Supremo Tribunal Federal que julga a demarcação de terras indígenas.
Duas centenas de produtores rurais do Mato Grosso, por exemplo, participaram da organização dos protestos. Argumentam que perderam cerca de cinco milhões de hectares de terras agricultáveis com demarcações impostas pela Constituição nas últimas três décadas.
Um dos ativistas, Carlos Vianey Longo, de Sinop (MT), cidade agropecuária de 146 mil habitantes e renda per capita de R$ 34 mil, resumiu à repórter Andhressa Barboza, do portal RD News: “O que vai pegar fogo é a questão do marco temporal. Se votarem contra, aí quebrou o país e o Bolsonaro vai fazer aquilo que o povo quer que é a intervenção militar.”
Delírios políticos custam caro. Não demorou para Bolsonaro perceber que o governo e as empresas organizadoras desse ensaio de locaute estavam perdendo o controle.
A adesão do sindicato mineiro de transporte de combustíveis foi exemplar: nada tinha a ver com a motivação dos radicais ruralistas contra o STF, mas virou uma oportunidade de protesto contra a política de ICMS do governo de Minas Gerais.
No fim da tarde, a preocupação no Palácio do Planalto foi condimentada pelas perdas no valor de um terço das empresas cotadas na Bolsa de Valores paulista. As mais afetadas foram as de comércio varejista (queda de até 11,3%), construção civil (mais de 6%) e bancos (acima de 4%).
A estatal Eletrobras brilhou no tombo (-9%), indício de que investidores prevêem dificuldades na privatização planejada pelo governo como reforço de caixa durante o ano eleitoral de 2022.
Apreensivo com as consequências, no fim do dia Bolsonaro se encontrou com um grupo de seguidores e apelou: “Fala para os caminhoneiros aí, que são nossos aliados… Esses bloqueios [nas estradas] atrapalham a nossa economia. Isso provoca desabastecimento, inflação e prejudica todo mundo, em especial, os mais pobres.”
O video foi difundido em redes sociais, como o governo faz habitualmente. Surgiu, então, um novo problema — poucos acreditaram. Foi preciso a intervenção do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, com outro video, para garantir aos aliados que o presidente realmente havia pedido para se acabar com “o bloqueio”.
O “Custo Bolsonaro” extrapolou. Até para Jair Bolsonaro.