Aras quer punir quem critica o candidato Aras
Em campanha para o STF, procurador-geral luta pelo voto de Bolsonaro e se esmera no autorretrato ao pedir à USP punição para um professor que o criticou
Augusto Aras sonha com Jair Bolsonaro. É notável o esforço público do procurador-geral para chamar a atenção do presidente sobre o desejo de vestir uma das onze togas do Supremo Tribunal Federal. Se não for possível, aceitaria continuar ajeitando o nó da gravata na chefia da Procuradoria-Geral da República.
Aras faz política da forma como conhece. Desde a quinta-feira 5 de setembro de 2019, quando foi escolhido procurador-geral, batalha pelo voto do único eleitor capaz nomeá-lo.
Luta por isso há 36 semanas. Não vai a comício nem sobe no palanque do presidente, que é candidato à reeleição. Mas se movimenta com barulho constante em busca de audiência no Palácio do Planalto.
Acaba de produzir uma peça de campanha. Enviou-a, com auxílio de advogados, ao reitor da Universidade de São Paulo (USP), Vahan Agopyan. Dá a impressão de ter sido feita sob medida para pontuar conversas no circuito de seis quilômetros que separam o gabinete no Planalto da mesa de jantar no Palácio da Alvorada.
Aras queixou-se ao reitor da USP sobre um professor da Faculdade de Direito, Conrado Hubner Mendes, crítico da sua atuação no comando da Procuradoria-Geral. Acusou-o de “violação ética” em artigos publicados, principalmente na Folha de S.Paulo.
As onze páginas com cerca de três mil palavras contêm peculiar visão do papel de um servidor público, incomodado por se sentir “obrigado a conviver — e até mesmo a tolerar em maior demasia que o particular — com a crítica”.
Em um terço da peça, o procurador-geral da República se esmera no autorretrato, imenso autoelogio, provavelmente inacabado.
Aras dedica mil palavras à exaltação de Antônio Augusto Brandão de Aras, “agraciado com diplomas, medalhas, comendas e outras honrarias civis e militares”.
Trata-se do autor de uma obra (Fidelidade partidária: A perda do mandato parlamentar) “que representou um marco nos estudos” sobre o tema, informa Aras à USP, lembrando ter sido mencionada num “histórico voto” em julgamento no Supremo.
Aras revela que, durante os últimos 62 anos, Aras “procurou expandir seus conhecimentos em áreas que gravitam em torno do Direito, como a filosofia, a história, a sociologia, a religião, a economia e a ciência política, além de buscar conhecer a realidade social e política no Brasil e no mundo, preservando uma vida de abnegação em prol da formação de uma cultura sólida, a serviço do bem-comum”.
Aras dedica-se “com afinco” ao Ministério Público Federal — garante Aras — “seguindo estritamente o figurino constitucionalmente estabelecido”. É “desapegado de posturas corporativistas”. Tem “solidez” no currículo e exercita a “franqueza sobre seus pensamentos”.
Aras, lembra Aras, tem “atuado em respeito à sua biografia e às relevantes atribuições” que possui. Fez “importantes reformulações” no Ministério Público, sempre “primando pela boa técnica jurídica, com independência e destemor”.
Se acaso alguém duvida de Aras, insiste Aras, pode comprovar escutando a “sustentação oral [de Aras] no recente julgamento da ADPF 572”. Ele se refere ao julgamento de um recurso jurídico (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) sobre o inquérito do Supremo a respeito de notícias fraudulentas (fake news), calúnias e ameaças contra o tribunal, seus ministros e familiares. Os principais investigados são aliados e assessores de Bolsonaro.
Aras, persiste Aras, é “homem forjado no princípio republicano e nos ideais de liberdade e de democracia”. Até “tem recebido com naturalidade as eventuais críticas a ele formuladas, como consequência do exercício regular do cargo público de especial relevância que ocupa e por amor à liberdade de pensamento e de expressão”.
Depois de retocar com mil palavras o retrato da “trajetória de vida imaculada, pessoal e profissional” do servidor Antônio Augusto Brandão de Aras, reconhecido candidato a uma vaga no Supremo, o procurador-geral da República requereu à universidade a punição de um crítico, o professor Hubner Mendes, para “se evitar o ladino intuito de envolver o nome dessa instituição em um papel ultrajante e que em absolutamente nada dignifica a USP”. Aras quer punir quem critica o candidato Aras.
Aras-modelo e Aras-retratista parecem preferir se arriscar à ruína pelo elogio do que apostar na chance de salvação pela crítica.