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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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O melhor combustível para a economia é a legalidade

No ramo dos combustíveis, surge a danosa figura do devedor contumaz - pessoas jurídicas que fazem da sonegação o seu modelo de negócio

Por Jorge Pontes
Atualizado em 10 ago 2021, 10h01 - Publicado em 9 ago 2021, 15h42

O mundo dos empreendimentos e dos negócios tem nos mostrado, nos últimos anos, que assim como algumas pessoas decidem, como indivíduos, viver na ilegalidade, fazendo do cometimento regular de golpes e malfeitos seu modus vivendi, e tornando-se o que conhecemos como “foras da lei”, inúmeras empresas igualmente se autodeterminam, institucionalmente, a funcionar como verdadeiras malfeitoras, adotando sérias trangressões administrativas, tributárias e penais como seu business as usual.

Ainda bastante viva em nossa memória encontra-se o abismo da Odebrecht, conforme evidências irrefutáveis trazidas ao conhecimento público pela Operação Lava Jato. A empreiteira baiana departamentalizou, de motu proprio, a corrupção sistêmica, incentivando seus executivos – com o pagamento de bônus – a subornarem políticos e a superfaturarem obras públicas. Havia, em seu organograma, uma unidade destinada exclusivamente ao pagamento de propinas: o “notório” Setor de Operações Estruturadas. E nada ocorria por debaixo dos panos, isto é, os esquemas eram o padrão de gestão adotado pela empresa, para operar no mercado brasileiro e no exterior.

Pois bem, temos nos deparado, nos últimos tempos, com uma variação do mesmo tema – no que diz respeito a empreendimentos geridos com o vetor da transgressão. O setor de combustíveis (que implica em operações de armazenamento, transporte e abastecimento de insumos indispensáveis para a geração de força e energia), atividade vital para a indústria, o transporte e distribuição de mercadorias, comércio, enfim, área estratégica que permeia a economia e a própria vida das pessoas, vem sendo cada vez mais ocupado por essas empresas malfeitoras.

Surge, cada vez mais forte, nessa área específica – do business dos combustíveis – a danosa figura do devedor contumaz. Trata-se de empresas que de forma sistemática e ilegal não honram propositadamente suas dívidas. Enfim, são pessoas jurídicas que fazem da sonegação o seu modelo de negócio, e estruturam-se sem considerar o pagamento dos tributos. Em suma, a não quitação dos impostos ocorre como um dos objetivos do próprio empreendimento.

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E não devemos, por dever de justiça, confundir o devedor contumaz com o devedor eventual, esse último um inadimplente conjuntural, que deixa de quitar obrigações momentaneamente, contra a sua vontade, por motivos de força maior.

E o negócio do devedor contumaz tem, invariavelmente, transversalidade comprovada com outras práticas criminosas, como a utilização de empresas de fachada, de laranjas, e com a própria corrupção.

Segundo recente estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, somente no setor de combustíveis – que é o principal arrecadador de tributos em nosso país – estes devedores contumazes são responsáveis por um rombo de R$ 14 bilhões. São recursos extremamente vultosos que deveriam estar sendo investidos em prol da sociedade brasileira, em áreas como saúde, educação e segurança pública, principalmente em momentos de crise como esse que passamos.

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Podemos, desta feita, concluir que a lógica que levou o Procurador da República Deltan Dallagnol a cunhar a célebre frase “corrupção mata”, poderia perfeitamente ser aplicada à sonegação. As quantias desviadas pelos crimes fiscais se igualam em volume aos perdidos com a corrupção sistêmica. São práticas delituosas que estão na base das mazelas que a nossa sociedade enfrenta.

A sonegação efetivamente (também) mata.

Entretanto, assim como as empreiteiras alvejadas pela Operação Lava Jato se organizaram em um “clube”, destinado exclusivamente a corromper políticos e a operar sobrepreços em obras públicas, as empresas podem – e devem – trilhar o caminho inverso e formar grupos, clubes e agremiações, de entidades privadas que tenham em comum o objetivo da conformidade, do compliance e da legalidade.

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Se um dia se juntaram para o mal, mais fácil ainda, menos arriscado, e melhor para todos os lados, é se irmanarem para o bem.

Afinal de contas, fazer o país funcionar e se desenvolver, zelar pela integridade das normas, da vida das pessoas e do bom funcionamento das empresas, não são tarefas exclusivas do Estado. Não podemos ficar, como sociedade, esperando governos e Congresso nos contemplarem com tudo que necessitamos, principalmente em épocas de crise, em momentos em que o poder público não conta com a total confiança da população. Caberia, então, principalmente às empresas, aos empreendedores – e até mesmo aos consumidores – atuarem conscientemente como resistência a este processo deletério que atravessamos, de “naturalização das coisas erradas”, para usar uma definição do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

No Brasil, a par desta necessidade, em especial no setor de combustíveis, já se observam alguns exemplos de iniciativas que merecem reconhecimento. Uma delas é o Instituto do Combustível Legal – ICL, que constituído e financiado por um pool de empresas deste métier, tem buscado, ultimamente, de forma efetiva e articulada com órgãos públicos, promover a ética e a legalidade no mercado de combustíveis, a fim de preservar a concorrência leal entre as empresas do setor e a integridade das suas práticas comerciais.

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O ICL consubstancia-se numa variante do que o Professor Marcelo Zenkner chama, em sua obra Integridade Governamental e Empresarial, de “Teoria da Ação Coletiva” (Collective Action), que é a entabulação de estratégias empresariais de cooperação e de compromissos éticos entre concorrentes, garantindo não apenas um ambiente competitivo e de igualdade de condições, mas, sobretudo, um espaço negocial em que os riscos de transgressões penais são mitigados.

Afinal das contas, se um dos lados do balcão se paralisa, em decorrência de processos legislativos arrastados ou mesmo por falta de vontade política, o outro lado, o privado, tem como se arregimentar e fazer a sua parte…

Não é à toa que em pesquisa realizada em 2021 pela Edelman Trust Barometer, ficou assinalado que as pessoas, hoje em dia – no Brasil e em várias outras partes do mundo – depositam mais confiança em empresas do que em governos.

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E enormes prejuízos são causados por um ambiente de negócios pouco ou mal regulado; entre eles estão o desestímulo ao empreendedorismo, a queda da competência empresarial, o decréscimo do nível real de competitividade, o crescimento econômico artificial e a fuga de investimentos estrangeiros.

Num universo como esse, onde desvios e lacunas na legislação causam vantagens competitivas ilegais – que acabam não sendo exemplarmente punidas – as empresas brasileiras sérias muitas vezes têm a percepção de que se não aderirem aos esquemas ficarão sem mercado em sua área de atuação. E algo semelhante vem ocorrendo no setor de combustíveis.

Há em curso o Projeto de Lei 284/17 – do Senado Federal – que caracteriza e define reprimendas exemplares para a lesiva figura do devedor contumaz. Se aprovado, poderá representar um poderoso golpe nesta cultura do crime fiscal em nosso país.

Enfim, não há combustível melhor para a economia de um país do que a própria legalidade das práticas comerciais nele adotadas.

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