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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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2023, o ano zero do Ministério Extraordinário do Enfrentamento à Corrupção

As estratégias de reforma anticorrupção devem incluir a aplicação, a educação e a construção de um amplo desenho institucional

Por Jorge Pontes
Atualizado em 29 jul 2020, 16h00 - Publicado em 26 jun 2020, 10h16

Corruption by design: com esse título sugestivo, o livro da cientista política americana Melanie Manion, editado em 2009 pela Harvard University Press, produz reflexões interessantes sobre as experiências chinesas de combate à corrupção sistêmica, trazendo lições reveladoras e instrumentais para o Brasil de hoje.

A obra contrasta duas experiências distintas, realizadas na China continental e em Hong Kong (nos anos 90), explorando a questão de como um governo, com a urgência que o caso requer, pode transformar uma conjuntura de corrupção generalizada em um cenário de limpeza, ou não…

Enquanto Hong Kong, em poucos anos, conseguiu uma bem sucedida conversão para um sistema efetivamente confiável, a China continental enfrentou extrema dificuldade em apresentar resultados positivos. Em que pesem mais de duas décadas de reformas, a corrupção teria seguido inabalável no mainland China.

Uma característica central desse problema está na própria cultura da corrupção, isto é, na naturalização dos desvios, enraizada nas crenças e práticas – sociais e comerciais – aprovadas tacitamente pela sociedade.

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Onde a corrupção já é comum, o contexto em que funcionários e cidadãos convivem e fazem suas escolhas para operar de maneira corrupta – ou não – é crucialmente distinto daquele onde práticas corruptas são incomuns.

Fica claro, então, que as estratégias de reforma anticorrupção devem incluir a aplicação, a educação e a construção de um amplo desenho institucional, além da repressão penal – que deve seguir sempre severa, para que a corrupção jamais seja uma prática convidativa.

A reforma anticorrupção em um cenário degenerado, como observamos no Brasil, impõe não apenas a redução da incidência do pagamento de propinas, mas igualmente amplas mudanças nas expectativas compartilhadas da vulnerabilidade do sistema.

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Impõe-se o ataque à cultura da corrupção, e seus valores anacrônicos, entranhada nos dois lados do balcão – o público e o privado – e, ademais, pulverizada no dia a dia da sociedade. Daí a enorme relevância dos projetos legislativos com caráter transformador (como o pacote anticrime do ex-ministro Sergio Moro) e, ainda, de programas educacionais abrangentes, além da elaboração de design apropriado das agências e programas anticorrupção e de conformidade, com engajamento amplo – também – da iniciativa privada.

A corrupção sistêmica no Brasil tornou-se um flagelo, dando azo, inclusive, a uma nova modalidade organizacional criminosa, que sequestra parte das estruturas do próprio Estado. Por isso, urge o início de uma batalha mais profunda, principalmente em relação às suas causas e origens.

Aproveitando elementos doutrinários da Escola Superior de Guerra – ESG, o enfrentamento à corrupção deveria ser alçado ao patamar de objetivo nacional permanente, ao lado de outros, como integração nacional, democracia, paz social e etc, tamanho são os prejuízos por ela causados, inclusive para a consecução dos demais objetivos da nação.

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Como já percebido, o governo federal vem esmorecendo no combate sem tréguas à corrupção – uma de suas principais promessas e bandeiras de campanha – daí a necessidade da idealização de um projeto a ser iniciado a partir de 2023.

Pois bem, a tragédia da corrupção brasileira justificaria a criação do Ministério Extraordinário do Enfrentamento à Corrupção – MEEC, aos moldes do saudoso Ministério da Desburocratização (que funcionou em importante missão, de 1979 a 1986).

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A criação de uma pasta destinada exclusivamente a pensar, coordenar, integrar, articular e controlar medidas centradas no enfrentamento à corrupção, agrupando uma diversidade de temas hoje relativamente difusos, obrigaria o governo a não se dispersar nesse mister instrumental para o desenvolvimento do país.

Com um escopo mais amplo, e funcionando com um viés “descontrutor”, o novo ministério extraordinário do enfrentamento à corrupção se encarregaria do desenho e planejamento de programas, projetos e ações multidisciplinares, transversais a outras pastas.

O foco da nova pasta seria tanto em ações de educação e campanhas de mídia, como na coordenação de iniciativas conjuntas e integradas, de órgãos como CGU, Polícia Federal, Polícias Civis, Tribunais de Contas e Ministérios Públicos. E, ainda, projetaria e fomentaria novos formatos e iniciativas de enfrentamento, como fusion centers e forças tarefas específicas, assim como redesenharia o atual modelo das corregedorias de polícia.

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Delinearia e elaboraria, ainda, medidas profundas de desburocratização da máquina pública, além de pacotes e projetos de lei, com a perspectiva da mitigação da impunidade e da efetividade do enfrentamento à corrupção sistêmica, de forma ampla.

A obra Corruption by design encerra em seu título uma mensagem irônica de fácil compreensão (a ideia da corrupção intencionalmente projetada), pois mostra que em alguns países esse crime se aprofunda e se revela inexpugnável, muitas vezes exatamente por conta do desenho das instituições e dos eixos legais e administrativos que são disponibilizados para combater o flagelo. Em suma, enquanto alguns modelos institucionais produzem governos limpos, outros desenhos promovem e sustentem a própria corrupção governamental.

Enfim, há de chegar a hora de inaugurarmos o enfrentamento à corrupção como um objetivo nacional permanente, de forma consolidada e estruturante. Sua essência será a desconstrução dos mecanismos que alimentam a corrupção sistêmica, que vem amarrando o Brasil indefinidamente ao atraso.

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