
Diverte, é competente – mas não tem aquela personalidade que foi sempre a marca registrada da série
Atenção: Algumas pessoas podem considerar SPOILERS partes deste texto
Não importa quais truques se escondam no genoma dos X-Men, há uma coisa que não se altera: o quanto esses mutantes são deliciosamente, enfurecedoramente, trágica e magnificamente humanos. De todos os personagens de quadrinhos que já chegaram ao cinema, não há outros que se pareçam mais com você e eu. Ciúme, mau-humor, teimosia, ingenuidade, tolice, pessimismo – os X-Men compõem um catálogo tão vívido dos defeitos universais ao Homo sapiens, e às vezes são capazes de uma generosidade e uma lealdade tão autenticamente humanas também, que é obrigatório reconhecer: não existe gente mais comum do que eles. Foi sempre nisso que Bryan Singer, como diretor e/ou produtor da série, se ancorou: o público vai ao cinema pelos poderes especiais dos X-Men, mas fica porque se reconhece neles. Singer levou tão a sério esse preceito que pode-se argumentar que ele trata as características mais extraordinárias dos mutantes quase que como alegorias – como se elas fossem a expressão em forma bruta dos traços de caráter preponderantes de cada um dos X-Men. Dou um exemplo: Eric Lensherr/Magneto foi tão traumatizado por Auschwitz que, quando perde a compostura, vira a esquina – ou seja, reproduz no seu comportamento a agressividade e a megalomania de que ele próprio foi vítima. É uma ideia robusta, e por isso ela foi sempre cuidadosamente protegida e mantida em todos os filmes. Até aqui: X-Men: Apocalipse, abandona essa lógica. E, apesar de suas inegáveis qualidades como entretenimento, ele mais desvia a série do caminho do que a faz avançar. Dá vontade de fazer como Mercúrio (o ótimo Evan Peters) na única sequência verdadeiramente excepcional do filme: congelar a ação, ajeitar tudo que está meio fora de lugar, dar um retoque aqui e ali, por pura diversão, e só então fazer o tempo andar de novo.
O problema é precisamente Apocalipse (Oscar Isaac, tão coberto de maquiagem que está até meio rígido), o primeiro mutante e o mais estrondosamente poderoso de todos eles, já que desde tempos imemoriais vem acumulando habilidades. Há quase cinquenta séculos Apocalipse estava adormecido, nos subterrâneos da cidade do Cairo. Mas, ao despertar, quer pegar a coisa do ponto em que a deixou – preparando uma nova hecatombe para destruir a humanidade e a civilização e, assim, galgar mais um degrau na sua ascensão divina.
Segue-se o de sempre nesses casos (coisa que eu nunca havia dito antes de X-Men): Magneto (Michael Fassbender), que acaba de sofrer mais uma tragédia pessoal, se deixa seduzir pelas ofertas de poder ilimitado que Apocalipse faz a ele, e traz para seu lado Tempestade (Alexandra Shipp), Anjo (Ben Hardy) e Psylocke (Olivia Munn, tratada como pouco mais que uma figurante). O Professor Xavier (James McAvoy) e a jovem Jean Grey, ainda lidando com um controle incerto de suas habilidades (e Sophie Turner, a Sansa de GoT, vai muito bem no papel), tentam deter a ofensiva, com a ajuda de Mística (Jennifer Lawrence), Ciclope (Tye Sheridan), Fera (Nicholas Hoult) e Noturno (Kodi Smit-McPhee). Grandes devastações acontecem, e o mal é derrotado – ao menos por ora.
Bryan Singer dirige com competência e os efeitos são bons – mas, ao colocar entre os X-Men o tão repisado megavilão que quer massacrar e destruir, ele vai contra o que pregou até aqui. Uma das melhores sacadas da série foi rejeitar os vilões “de quadrinhos” e preferir figuras facilmente encontráveis na geopolítica contemporânea: um senador que quer registrar os portadores de mutações da mesma forma como se registram os criminosos sexuais, um industrial do setor de Defesa que fomenta uma guerra para ganhar com ela, um cientista que quer curar mutantes (pressupondo, portanto, que ser X-Man é uma doença), militares que querem “weaponizar” os mutantes ou conspiram para criar um clamor popular em favor de sua erradicação. Quase sempre, também, as tramas de X-Men se desenrolaram em cenários que poderiam ter sido tirados do noticiário, ou de fato o foram – da II Guerra Mundial à Crise dos Mísseis de Cuba de 1962, da derrocada americana no Vietnã à opressão no Bloco Comunista, os filmes já se aproveitaram de uma infinidade de eventos históricos nos quais imbricar o enredo (até para a bala maluca que matou John Kennedy já se deu uma explicação). Aqui, porém, Singer transplanta a série para o território da fantasia, onde ela nunca teve raízes – e onde ela é só mais uma entre tantas outras.
Leia também as resenhas que eu fiz para os outros filmes da série quando do seu lançamento nos cinemas:
X-Men – Dias de um Futuro Esquecido
Trailer
X-MEN: APOCALIPSE
(X-Men: Apocalypse)
Estados Unidos, 2016
Direção: Bryan Singer
Com James McAvoy, Michael Fassbender, Sophie Turner, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Evan Peters, Oscar Isaac, Tye Sheridan, Kodi Smit-McPhee, Alexandra Shipp, Rose Byrne, Josh Helman, Lucas Till, Ben Hardy, Olivia Munn, Tómas Lemarquis e uma certa participação muito especial
Distribuição: Fox