
Como torrar 150 milhões de dólares e afundar uma carreira.
Em 2009, quando Nicolas Cage fez Vício Frenético com Werner Herzog, e no ano seguinte, quando apareceu tão bem em Kick-Ass, foi um alívio: então Cage ainda sabia ser aquele ator excêntrico e poderoso de Despedida de Las Vegas, Arizona Nunca Mais, Adaptação, Os Vigaristas, O Senhor das Armas?
Cage sempre gostou de uma ação B, na linha de Con Air e 60 Segundos. Mas, seis anos atrás, parecia que ele já havia cruzado a linha que separa a excentricidade da incoerência ao embarcar numa série aparentemente infindável de filmes de segunda categoria. Um completo engano: o pior ainda estava por vir. E como veio. Hoje, Motoqueiro Fantasma, O Vidente, Perigo em Bangkok, Presságio, Fúria Sobre Rodas e O Pacto parecem razoáveis perto das coisas que Cage tem feito de dois anos para cá (já O Sacrifício, esse continua pavoroso). Alguns exemplos:
Fúria
(Rage, 2014. Em DVD)
Cage, um mafioso reabilitado, tem desanimados (e desanimadores) ataques de fúria quando sua filha é sequestrada.
O Apocalipse
(Left Behind, 2014. No Netflix)
Cage é um piloto de jato ateu que vai se reencontrar com a fé quando parte da humanidade (seus passageiros, inclusive) é levada no Juízo Final. Uma das coisas mais toscas que eu já vi.
O Imperador
(Outcast, 2014. No Netflix)
Um pastiche de filme de cavaleiro medieval na corte chinesa. Melhor nem tentar explicar.
Vingança ao Anoitecer
(Dying of the Light, 2014. Em DVD)
Cage, um ex-agente da CIA, tenta caçar um terrorista de seu passado antes que a demência que começou a acometê-lo o impeça. É Paul Schrader dirigindo o pior de todos os seus filmes ruins.
Fator de Risco
(The Runner, 2015. A ser lançado em DVD em dezembro)
O vazamento de petróleo de 2010 na Louisiana e um escândalo sexual se misturam na vida de um deputado. Cage parece querer que uma mancha de óleo suma com ele.
Como as coisas chegaram a esse ponto é uma incógnita, mas sabe-se que pelo menos dois fatores distintos contriibuíram para esse declínio. Primeiro, Cage nunca foi das personalidades mais estáveis. Daí, aliás, vinha parte de sua singularidade como ator – do fato de que ele não sabe medir riscos e calcular consequências. Segundo, e talvez decisivo: durante o tempo em que foi um astro forte na bilheteria e ganhava cachês de 20 milhões de dólares por filme, Cage acumulou uma fortuna imensa. Estima-se que, do meio da década de 90 a meados da década seguinte, seus ganhos diretos tenham somado 150 milhões de dólares.
O que entra fácil sai mais facilmente ainda: Cage comprou quase duas dezenas de propriedades caríssimas. Pagou 10 milhões por um castelo na Bavária e outros 7 milhões por um castelo falso na Inglaterra no qual, até onde se sabe, nunca passou uma noite. Comprou uma vila imensa nas Bahamas, e depois uma ilha inteira. Pagou 24 milhões por uma casa que fora de John Wayne, na Califórnia. Pagou quase 4 milhões por uma casa assombrada em Nova Orleans. E por aí afora. Gastou milhões e milhões, também, em carros raros, em fósseis de dinossauros, em primeiras edições de quadrinhos.
Faltou pagar os impostos.
Em 2009, o Fisco americano calculou que os tributos de Cage estavam 13 milhões de dólares em atraso. Uma ninharia, para quem tem tanto? O caso é que Cage não tinha mais nem tanto nem pouco: o que não colocara em imóveis de luxo, torrara em suas doideiras. Primeira tentativa de solução: livrar-se dos imóveis – com prejuízos tremendos, já que estava-se no pior ano do mercado imobiliário. Segunda saída: trabalhar sem parar, em qualquer coisa que se apresentasse. Que é o que ele tem feito desde então.
A mim, pessoalmente, parece que Cage nem de longe é imune aos efeitos dessa decadência profissional. Naquela sua primeira fiada de filmes B, ele talvez ainda estivesse se divertindo com a piada em que sua carreira se estava tornando. Hoje, nos filmes que faz, parece sempre abatido e infeliz. Eu também não tenho mais vontade nenhuma de rir das decisões estranhas de Cage: acho trágico esse estado de coisas, e torço para que ele saia dele.