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Narcos

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 16h01 - Publicado em 9 set 2015, 18h17

Coca-Cola ou Cueca-Cuela, que importa?

É a isso que se chama um factoide: tanta coisa que se poderia dizer sobre Narcos, a série dirigida por José Padilha para o Netflix, e foram encasquetar com o sotaque do Wagner Moura – que ótimo não é, mas certamente também não é tão ruim assim que possa levar à desconcentração os espectadores que não são falantes do espanhol.

Que ele tenha virado polêmica aqui, onde pouquíssimas pessoas escolhem aprender um espanhol correto como segunda língua (ou terceira, ou quarta, ou quinta) e preferem ir de portunhol mesmo, é quase surrealismo. Estou com o Sensacionalista: a pesquisa deles é de araque, mas se fizessem uma de verdade provavelmente daria um resultado parecido – 90% das pessoas que criticam o sotaque de Wagner Moura pedem uma Cueca-Cuela.

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A questão é, afora os tropeços nos fonemas, Wagner é um bom Pablo Escobar ou não? Na versão de Padilha e Wagner, o colombiano de família pobre que na virada da década de 70 para a de 80 idealizou o tráfico de cocaína em massa para os Estados Unidos e antes dos 30 anos já era bilionário é uma espécie de Macbeth: quanto mais mal perpetra e mais poder acumula, mais mal se descobre capaz de perpetrar, e menos o poder que já acumulou o satisfaz. Este Escobar é um personagem quase simbólico – o homem que é um desconhecido para si mesmo, atormentado por uma infinidade de injustiças e rancores reais ou imaginados que nada pode apaziguar, e que na sua própria mitologia não é um criminoso, mas sim um redentor. A crueldade, a truculência e a inclemência, as centenas de assassinatos, são o que ele tem em comum com outros traficantes; o que o distingue, e o tornou infinitamente mais perigoso, é esse complexo messiânico – além do senso de agravo pessoal com que ele encara a perseguição de parte das autoridades colombianas (a parte que ele não conseguira comprar) e da DEA, a agencia americana de repressão às drogas.

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E aí está o contraponto de Padilha à excelente interpretação de Wagner Moura: Narcos é sobretudo a história de como dois agentes da DEA na Colômbia, Steve Murphy (Boyd Holbrook) e Javier Peña (o ótimo Pedro Pascal, que foi o Oberyn Martell de Game of Thrones), se deram conta da existência de Escobar e de seu império crescente e, com a colaboração do coronel Horatio Carillo (Maurice Compte), empreenderam a ele uma perseguição que se estendeu por anos. Dirigindo com sua energia e fluência habituais, e tirando ótimo proveito da narração em voice over de Murphy (recurso que tomou emprestado de Os Bons Companheiros e Cassino, ambos de Martin Scorsese), Padilha vai fazendo uma crônica dos primórdios do tráfico e de sua expansão, e alargando os limites da narrativa a cada episódio. Lá pela metade, a insolência de Escobar, e seu impacto sobre a Colômbia, já atingiram o inacreditável. Suspeito que o intuito de Padilha não seja apenas recriar essa história, mas também mostrar como a corrupção e um poder espúrio podem dominar todo um país e se imiscuir em todas as suas instituições e, ainda assim, serem erradicados um dia pela determinação de um grupo que não se deixa corromper nem intimidar. Ou vai ver que isso é o que eu, esperançosamente, estou vendo em Narcos.

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