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Por Coluna
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Carol

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 23h42 - Publicado em 15 jan 2016, 17h20

Uma linda fachada, sem nada por trás dela.

Tenho inveja de quem nunca leu Patricia Highsmith: que descoberta essa pessoa tem pela frente. Trabalhando sempre em um gênero tido como “menor”, o suspense policial e/ou psicológico, Patricia avançou sobre algumas fronteiras literárias e morais que permaneciam fechadas quando ela começou a escrever, e que ainda hoje fazem a maior parte dos cineastas que adaptam seus livros amarelar – e arregar.

Por exemplo: nem René Clément, em 1960, nem Anthony Minghella, em 1999, tiveram coragem de preservar o desfecho de O Talentoso Sr. Ripley, e inventaram para ele a apreensão pela polícia, no primeiro caso, e uma crise de consciência, no segundo. Nos livros em que aparece, Ripley nunca foi punido, nem muito menos jamais puniu a si mesmo. No ano passado, Hossein Amini jogou tanta água fria na fervura de As Duas Faces de Janeiro que mal se reconhece o livro no filme. Alfred Hitchcock entendeu muito bem o espírito perverso de Patricia em Pacto Sinistro, de 1951 – mas moderou o final porque de outra forma o filme jamais teria passado pela censura. Até hoje, só Wim Wenders bancou integralmente a amoralidade a observação aguda de Patricia, em O Amigo Americano, de 1977 – tirado do romance O Jogo de Ripley, e com um Dennis Hopper matador no papel principal (mais Bruno Ganz, que é um arraso por natureza, no papel do sujeito cuja vida Ripley destrói).

E, agora, Carol, de Todd Haynes, junta-se à lista.

Carol foi publicado originalmente com o título de O Preço do Sal, em 1952, sob o pseudônimo Claire Morgan. A própria Patricia não via problema nenhum em assiná-lo com seu nome, mas a editora achou que a coisa era forte demais para ela usar seu nome verdadeiro. Pode-se inferir que Carol era algo que Patricia precisava escrever: é seu segundo livro, publicado em seguida a Pacto Sinistro, de 1950, que foi um tremendo sucesso. E é, em linhas gerais, bastante autobiográfico. Patricia, cujo alter ego é a Therese que Rooney Mara interpreta no filme, usa duas experiências pessoais marcantes: o caso que teve na década de 40 com uma socialite da Filadélfia chamada Virginia Catherwood, uma mulher madura e divorciada que, como Cate Blanchett no filme, perdeu a guarda dos filhos por causa de uma gravação feita num quarto de hotel em que ela se encontrou com uma amante. A outra experiência é mais subjetiva que o romance com Virginia; trabalhando como balconista na loja de departamentos Macy’s, em Nova York, Patricia atendeu uma loira que capturou sua imaginação.

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Patricia tem uma frase célebre. Declarou certa vez que teve “mais paixões por mulheres do que os gatos têm orgasmos” – uma imagem tipicamente crua, incontornável, bem ao gosto dela. Carol, o livro, é mais eufemístico do que isso, mas é singularmente livre de culpa, e é principalmente livre de vergonha. De novo citando Patricia, naquela época ser gay significava frequentar bares escuros que eram não muito mais do que “buracos em alguma parede” nas ruas de Nova York. Carol, o livro, lida em detalhe com esse ambiente de segredo, mas ele é muito mais social do que pessoal. E aqui – finalmente – chegamos ao filme de Todd Haynes.

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Como se viu em Longe do Paraíso, de 2002, Haynes tem um fetiche com a década de 50. Não a década de 50 real, mas aquela década de 50 realçada, composta, dos chamados “filmes de mulher” – os melodramas característicos do período, e em particular os de Douglas Sirk, com mulheres muito direitas que sentem uma paixão proibida, como Desejo Atroz, Tudo que o Céu Permite, Chamas que Não se Apagam, Palavras ao Vento, Imitação da Vida (adoro esses títulos!). Sirk era um gênio: muito antes de Betty Friedan identificar em A Mística Feminina a insatisfação doida das donas-de-casa de subúrbio americanas, Sirk já estava tratando dela. Da forma velada e ultradramatizada que a época e seu estilo pediam, mas não há como confundir o assunto dele com qualquer outro. A questão é que não há nenhum sentido em fazer um filme imitando Douglas Sirk hoje em dia se não for para tratar abertamente daquilo que ele só podia insinuar. E há menos sentido ainda em usar o Carol de Patricia Highsmith para isso.

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Mas Haynes, aqui, deita e rola no seu fetiche: é só observar como a câmera dele se demora nas unhas esmaltadas de Cate Blanchett, nos penteados cheios de ondas, nos tecidos dos vestidos, nas estolas de pele, nos batons vermelhos, nos brincos-medalhão – e nos carros, nos móveis, nos táxis bicolores, nas pessoas nas ruas. É um mundo de fantasia, no qual Cate Blanchett e Rooney Mara se seduzem mutuamente com muito bom gosto e timing impecável, e no qual elas fazem sexo pela primeira vez como se estivessem num ensaio fotográfico (mas um ensaio de algum fotógrafo que acha que é Helmut Newton e não passa nem perto dele). É tudo tão artificial, tão lento, tão programado – e tão sem asperezas, imperfeições ou contrastes –, que não há erotismo que resista.

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E, se já é difícil acreditar em paixão sem erotismo, as atuações de Cate e Rooney também não me convencem. Rooney passa o filme todo personificando aquele rubor da jovem tímida que está descobrindo algo estremecedor sobre si mesma, mas nunca se sente essa trepidação; e Cate está tão fascinada com a própria interpretação que eu me senti desobrigada de compartilhar do sentimento e me fascinar também. Pelo contrário, me aborreci enormemente. Há uma cena só na qual ela desce do salto: no escritório do advogado, com o marido, discutindo a guarda da filha, ela se desespera e manda ver. Durante três ou quatro minutos, Carol foi outra coisa – algo vivo. Nos outros 114 minutos, é quase inerte.


Trailer


CAROL

Estados Unidos/Inglaterra, 2015
Direção: Todd Haynes
Com Cate Blanchett, Rooney Mara, Kyle Chandler, Sarah Paulson, Jake Lacey, John Magaro
Distribuição: Mares Filmes
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