Inverno: Revista em casa por 8,98/semana
Imagem Blog

Isabela Boscov

Por Coluna Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

“Brexit”: Benedict Cumberbatch e as novas guerras civis

Numa interpretação brilhante, ele dá contornos teimosamente humanos ao idealizador da campanha revolucionária que deu a vitória à saída da UE

Por Isabela Boscov Atualizado em 8 fev 2019, 14h01 - Publicado em 8 fev 2019, 14h00

É possível aprender várias coisas assistindo a Brexit, o filme da HBO que estreou há alguns dias – algumas bem interessantes, e nenhuma delas reconfortante. A lição mais dura: o mundo mudou (não para melhor), e não há nostalgia, negação ou resistência que o faça voltar a ser como era. A lição mais útil, então: é preciso tentar entender de verdade o que o mundo está se tornando. Dominic Cummings, o personagem verídico que Benedict Cumberbatch interpreta com brilhantismo em Brexit, foi capaz de entender. Só não fez lá muito bom uso da sua perspicácia.

Vamos recapitular: a saída do Reino Unido da União Europeia era uma proposta que vivia nas franjas da direita nacionalista inglesa. Não era uma ideia respeitável, até porque ninguém jamais levou muito a sério as pessoas que costumeiramente a defendiam – por exemplo, Nigel Farage, líder do nanico e estridente Ukip (United Kingdom Independence Party, ou Partido da Independência do Reino Unido). Mas, em um dia fatídico do começo de 2016, o então primeiro-ministro David Cameron se deixou atrair para uma queda-de-braço com os setores da política que haviam passado a flertar com o sonho de uma Inglaterra livre do tacão europeu (é como parte dos ingleses vê a coisa, por razões racionais, como o excesso de regras e taxações, e por razões emocionais, nas quais pesa muito a preponderância da Alemanha e da França, que deixaram péssimas lembranças para a Inglaterra na II Guerra). O que Cameron fez foi chamar um plebiscito para junho daquele ano – porque, na sua cabeça, é claro que seu lado, o dos “remainers” (os que querem ficar na UE), ganharia e, assim, calaria a boca dos “leavers” (os que querem sair). Deu no que deu, porque…

Brexit
(HBO/Divulgação)

Porque o lado dos “remainers” usou armas convencionais, sem perceber que o seu adversário estava pronto para revolucionar a arte da guerra. Algo parecido com o susto trágico da I Guerra Mundial, quando os exércitos perceberam que as cavalarias, que eram sua joia e glória, não serviam mais para nada (além de morrer aos magotes) diante das armas de repetição, do gás mostarda, do lança-chamas, das granadas e morteiros e do recuo em trincheiras. A Europa entrou no campo de batalha, em 1914, achando que ainda estava no século anterior, na Guerra da Crimeia – e saiu dele, em 1918, massacrada por uma violência e uma capacidade industrial de matar que até então não suspeitava ser possível. Foi isso que Dominic Cummings, o grande arquiteto da campanha dos “leavers”, fez: promoveu um massacre para o qual o outro lado, fiel às regras de sempre, nunca se preparou. E um dos nomes desse massacre é influência digital. Se você está pensando em algo simples como disparar mensagens de WhatsApp com doutrinações e fake news, está enganado. Veja mesmo Brexit, porque é surpreendente quão mais embaixo está o buraco.

Brexit
(HBO/Divulgação)
Continua após a publicidade

Não vou repetir aqui aquilo que o filme explica tão bem. Vou apenas comentar a moral da história. Cummings, um sujeito de inteligência extraordinária mas que divide opiniões (gênio para alguns, psicopata para outros), encontrou e criou ferramentas para despertar demônios adormecidos e catalisar sentimentos que ainda não haviam ganhado forma (seu slogan, “take back control”, ou “retome o controle”, é um golpe de gênio, com toda a nostalgia que traz do poderio do Império Britânico). Quando Nigel Farage conseguia lugar nas manchetes para bater na tecla anti-imigração, a aprovação popular à saída da UE caía, graças à vulgaridade e à truculência dele. Quando Cummings decidiu ignorar ostensivamente os apoiadores do Ukip e similares para localizar aquelas pessoas a que campanha nenhuma jamais chegara – os distraídos, os sem opinião, os desanimados que nunca haviam votado numa eleição na vida porque achavam que não adiantava mesmo –, aí ele achou um veio de ouro. Achou 3 milhões de votos a favor do Brexit que o lado dos “remainers” nunca imaginara existir.

Brexit
(HBO/Divulgação)

Há uma cena maravilhosa em Brexit, em que David Cummings e o arquiteto do lado oposto – Craig Oliver, ex-diretor de comunicação de David Cameron, interpretado também ele com brilhantismo pelo grande Rory Kinnear – vão dividir uma cerveja no pub, depois de um evento particularmente assustador. Craig Oliver acabou de perceber que a campanha dos “remainers” falhou miseravelmente em compreender as queixas e angústias da parte da população que quer sair da União Europeia. E David Cummings acabou de perceber que não é porque um sentimento existe que ele deve necessariamente ser despertado ou ganhar forma. Enfim, ambos acabaram de perceber que erraram feio, e criaram um monstro. O qual, passados quase três anos, continua à solta, rugindo e dividindo, enquanto o governo e os dois lados do Parlamento tentam amarrá-lo com barbante. Só não perco as esperanças porque a Inglaterra soube sobreviver a poucas e boas nos últimos 2.000 anos, e porque há, sim, gente com disposição de olhar de fato, e entender de verdade – como o próprio Benedict Cumberbatch, um “remainer” convicto, que insiste em dar contornos absolutamente humanos ao irascível, arrogante, vulnerável e, pelo menos neste filme, fascinante David Cummings.

Continua após a publicidade

Trailer

Continua após a publicidade
BREXIT
(Brexit: The Uncivil War)
Inglaterra, 2019
Direção: Toby Haynes
Com Benedict Cumberbatch, Rory Kinnear, John Heffernan, Simon Paisley Day, Kate O’Flynn, Paul Ryan, Lee Boardman, Richard Goulding, Liz White
Onde: na HBO
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

OFERTA RELÂMPAGO

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 2,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Ofertas exclusivas para assinatura Anual.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.