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Por Coluna
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Bravura Indômita

Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 15h59 - Publicado em 9 fev 2011, 16h09

Áspero, e lindo

Refazer um grande filme como Bravura Indômita é uma temeridade. A não ser que, como os irmãos Coen, se faça outro grande filme

Em 1968, o escritor Charles Portis publicou o romance Bravura Indômita – e, a partir do ano seguinte, quase ninguém mais lembraria que seus protagonistas, a garota Mattie Ross e o justiceiro Rooster Cogburn, haviam existido em livro antes de ser imortalizados nas caracterizações de Kim Darby e John Wayne, tão perfeitas em tom, cada uma delas, e tão harmônicas entre si que ainda hoje sobrevivem com as cores intactas. É compreensível, assim, que a maioria do público pense que Mattie e Rooster nasceram em filme. Mas não deixa de ser uma injustiça que a notoriedade de Portis lhe tenha sido roubada pela própria maestria de sua criação. E, em princípio, seria uma temeridade que um diretor (ou dois, no caso) ousasse refazer aquilo que já havia saído tão bom da primeira vez. Mas só em princípio: à sua maneira, o Bravura Indômita dos irmãos Ethan e Joel Coen é um filme quase tão grande quanto o original de Henry Hathaway. Ou, vá lá, tire-se o “quase” da frase acima. Em alguns aspectos, este novo Bravura – que não é uma refilmagem, mas sim uma readaptação do livro de Portis – é menor do que o primeiro. Por exemplo, na atuação de Jeff Bridges, que é mais fina nos detalhes, mas em geral não se compara em largueza à de John Wayne. Em outros aspectos, este é um filme maior que o outro: onde Henry Hathaway às vezes via apenas graça, os Coen enxergam primeiro é a brutalidade de uma vida em que cabe a uma menina “menor que uma espiga de milho”, como diz Rooster (mas teimosa como uma mula), assegurar que a justiça prevaleça e que sua família e sua fazenda sobrevivam. E, em um ponto, ambas as adaptações se equiparam em mérito: no serviço de utilidade pública, por assim dizer, que é recuperar o interesse da plateia por um gênero – o faroeste – que já estava em decadência em 1969 e hoje sobrevive só à custa de sopros. O dos irmãos Coen é vigoroso: seu Bravura já rendeu 150 milhões de dólares, um resultado espetacular para um western.

Mattie (a estreante Hailee Steinfeld) tem 14 anos quando sua aventura começa; seu pai é assassinado por um empregado, Tom Chancey, na cidade de Fort Hill, onde fora comprar cavalos. Mattie deixa a mãe e os dois irmãos pequenos no condado de Yell, no Arkansas (muito formal, ela sempre se apresenta assim aos vários estranhos que encontra, dizendo de onde vem), para buscar o corpo. Uma vez em Fort Hill, porém, ela apura que o assassino não será levado à Justiça porque fugiu para território indígena, fora da jurisdição dos xerifes locais. Mas, de uma forma ou de outra, Chancey terá o que merece, decide a menina. Que, então, submete o sujeito que havia vendido os cavalos a seu pai a uma barganha duríssima, na qual recupera todo o dinheiro e mais um tanto (Mattie, que servia de contadora ao pai, dá tal nó no comerciante que consegue comprar dele, por 10 dólares, um cavalo que acabara de vender ao próprio por 30). E, assim municiada, escolhe um xerife federal que possa contratar para perseguir o assassino. Mattie opta por Rooster Cogburn porque, conforme todas as pessoas entre as quais inquiriu, ele é o sujeito mais implacável, valente e tenaz que já passou por ali. Além de um dos mais amigos da garrafa também: meio velho, meio gordo e meio cego (ele usa um tapa-olho), Rooster é todo movido a uísque. Um terceiro elemento se juntará a essa dupla: LaBoeuf (Matt Damon), um Texas Ranger certinho e galante que persegue Chancey pela morte de um senador.

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Os diálogos, que nos dois filmes saem quase sem modificações da prosa magistral de Portis, são um sonho: uma troca incessante de rebarbas curtas e loquazes que reproduzem com fidelidade antropológica o linguajar ornado, oblíquo e curioso do Oeste dos anos 1880 – e que, à medida que o relacionamento entre os três protagonistas evolui, vai ganhando aqui e ali as interjeições e os vocativos de uma discreta afeição. Bravura Indômita enuncia que a disposição de achar o bandido é o único elo entre Mattie, Rooster e LaBoeuf; eles nem sequer concordam sobre o que fazer com Chancey uma vez que o tenham capturado. Mas, no seu maravilhosamente bem urdido desenrolar, o livro e os dois filmes querem lembrar que erra quem se fia nas aparências: a despeito de seus comportamentos diversos e atritos frequentes, eles são gêmeos no espírito – pessoas que aceitam sem discussão o que a vida lhes manda, mas que também não conseguem deixar de corrigir aquilo que lhes parece torto; três pragmáticos, enfim, mas também três idealistas, obcecados pela ideia de retidão e de distribuição justa de direitos e deveres. Os sentimentos são fundos também. Não há demonstrações de carinho aqui, mas há amor intenso – e tão imenso quanto o céu de estrelas sob o qual, perto do desfecho desta nova adaptação, Rooster desaba, depois de quilômetros carregando Mattie nos braços para impedir que ela morra, e revela a si mesmo: “Estou velho”. Aí, o filme dos Coen ganha asas, e se torna também ele de uma beleza tão indômita quanto a de seus personagens.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 09/02/2011
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2011

BRAVURA INDÔMITA
(True Grit)
Estados Unidos, 2010
Direção: Joel e Ethan Coen
Com Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper, Dakin Matthews, Elizabeth Marvel, Domnhall Gleeson

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