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Lógica de Bacurau é tão desalentadora quanto a do extremo oposto

No longa, filmado com força e talento, para que um lado reafirme sua identidade é preciso destruir o outro — com violência

Por Isabela Boscov Atualizado em 22 out 2021, 15h27 - Publicado em 30 ago 2019, 07h40

Seria interessante rever Bacurau (Brasil, 2019), em cartaz no país, em um futuro em que as suas referências diretas tivessem já se perdido: é provável que a força com que os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles filmam permanecesse inteira — mas que sua visão redutiva ficasse um tanto mais exposta. Vilarejo do sertão nordestino que uma guerra política tornou dependente de caminhões-pipa para beber água, Bacurau repentinamente se percebe sob outro tipo de ataque. Um grupo de estrangeiros o elegeu para um safári humano, em que cada cidadão abatido rende pontos. Preparam o terreno com cuidado (fecharam estradas, cortaram o sinal do celular e modificaram o mapa) e com ajuda local: o prefeito do município ao qual Bacurau pertence entrou no esquema, e a organização da caçada coube a um casal do Sudeste. A primeira irrupção de mortes, porém, alerta os moradores sobre o perigo. Sob a liderança inflamada de Lunga (Silvero Pereira), renegado que está sob perseguição e que o vilarejo vai buscar em seu esconderijo (não é difícil adivinhar qual figura real serve de inspiração a ele), armas vêm à luz e são distribuídas, e traça-se um plano que o filme propõe ser de resistência, mas que não seria impossível confundir com vingança pura e simples — e muito sangrenta.

Bacurau é um vilarejo pobre, mas não atrasado. Conta com uma médica competente (Sonia Braga, que protagonizou Aquarius para Mendonça) e numerosos celulares e tablets. Tem um museu que é motivo de orgulho e seu prefeito de fato é o professor; as prostitutas são queridas e as pessoas de gênero fluido, como o próprio Lunga, são respeitadas. Quando o candidato venal vai lá fazer campanha e doar alimentos vencidos, todos fecham as portas e deixam-no falando sozinho. Mas os brasileiros de mais abaixo os consideram inferiores (“O Sul é muito diferente — é rico, temos imigração italiana e alemã”, diz o rapaz do casal, que carrega um crachá de membro do Judiciário). E, para os estrangeiros, os moradores mal são seres humanos.

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As declarações grosseiras de Jair Bolsonaro a respeito do Nordeste, seu entusiasmo pueril por Donald Trump, seus ataques ao cinema nacional e até as deficiências do eventual acordo em torno da base de Alcântara emprestam ao esquematismo de Bacurau — que na terça 27 perdeu a chance de uma vaga no Oscar para A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz — uma aparência de razão. Mas não há razão em atribuir a todos a ignorância de alguns para assim reiterar o divisionismo que pautou a política da última década — nem tampouco em incriminar os suspeitos de sempre (Sul e Sudeste, a Lava-Jato, o imperialismo americano, o baixo clero político etc.), deixando passar incólumes os clãs regionais que usam o Nordeste como seu feudo. A lógica de Bacurau, no fundo, é idêntica à do outro extremo, e tão desalentadora quanto ela: para que um lado se construa, é preciso destruir o outro lado — e com ira e violência.

Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650

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