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Por Coluna
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Aliança do Crime

Por Isabela Boscov Atualizado em 31 jul 2020, 00h07 - Publicado em 12 nov 2015, 16h39

A omelete e os ovos.


Veja aqui a vídeo-resenha


Johnny Depp está, sim, excelente em Aliança do Crime. É o diretor Scott Cooper quem fraqueja: ele quer retratar o terror sem entrar na controvérsia acerca de seu protagonista.

James “Whitey” Bulger causava impressões fortes: saindo de uma temporada de nove anos no presídio de Alcatraz, com a calva avançando pelos cabelos quase platinados, os olhos azul-gelo e os dentes estragados, ele ainda assim lembrava o jovem bonito que já fora. O que verdadeiramente se impunha, porém, era a ameaça que ele exalava. Durante as décadas de 70 e 80, Whitey usou o terror que era capaz de instilar – e de praticar – para dominar a hierarquia criminosa de Boston. Em um brevíssimo intervalo, passou de gângster de quarteirão a rei do submundo, controlando qualquer transação suja, ilegal ou violenta que acontecesse na cidade. Condensar essa capacidade de intimidação e coação é a tarefa de Johnny Depp em Aliança do Crime (Black Mass, Estados Unidos, 2015), que estreia no país nesta quinta-feira – e Depp a cumpre, embora, em close-up, seus esforços sejam sabotados pela maquiagem que procura torná-lo parecido com Whitey.

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Também o diretor Scott Cooper não faz favores ao ator. Whitey é um personagem verídico, mas poderia ter saído da galeria ficcional de Martin Scorsese de protagonistas inebriados pelo poder do crime e intoxicados com a sua própria lenda. Acompanhar seu percurso deveria ser como cair numa correnteza – o efeito que Scorsese atinge com potência irresistível em Os Bons Companheiros, Cassino ou Os Infiltrados, e que Cooper gostaria de reproduzir. Mas falta-lhe o dom, ou talvez a coragem, para deixar-se arrastar pela enxurrada; sua opção é privilegiar a mecânica da ascensão de Whitey em detrimento da emoção dela.

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Falta a Cooper também o tato para aquilo que no jargão dramatúrgico se chama downtime: os gângsteres que espantam o tédio das tocaias fofocando, as conversas sobre comida, as brigas com namoradas e esposas. Analistas financeiros não conversam só sobre finanças, médicos não falam só de medicina – e criminosos não falam só de crime, como ocorre aqui. Em duas cenas, apenas, Whitey parece tão verdadeiro quanto os mafiosos fictícios de Scorsese. Em uma, ele dá conselhos duvidosos ao filho pequeno. Em outra, excelente, ele joga cartas com a mãe idosa enquanto seu irmão, o senador – sim, isso mesmo – William Bulger (Benedict Cumberbatch), prepara o café da manhã. No restante do tempo, Whitey é um personagem opaco; não se enxerga além do exterior que ele projeta. Apesar da gana com que Johnny Depp se joga no papel, assim, são os coadjuvantes que ficam com as melhores oportunidades. Cumberbatch é de uma ambivalência magistral; Joel Edgerton, cujo personagem é essencial ao enredo, tem um ótimo começo, depois cede ao exagero. Já Jesse Plemons e Rory Cochrane, que fazem os parceiros de Whitey, estão estupendos – é no rosto deles que se vê como até para criminosos de carreira era aterradora a violência de Whitey.

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Hoje, Whitey cumpre duas penas perpétuas consecutivas. Em 2013, aos 83 anos, depois de dezesseis anos foragido, ele finalmente foi julgado. Mas sua história tem um tremendo complicador adicional: a controvérsia sobre a real extensão do envolvimento do FBI em sua ascensão. Nos anos 70, quando a ordem era pôr fim à “Cosa Nostra”, o agente John Connolly (Joel Edgerton), que crescera com os Bulger, achou que seria ótima ideia recrutar Whitey como informante confidencial. Connolly faria boa figura com a chefia, e Whitey ganharia aquela força para eliminar a concorrência ítalo-americana em Boston.

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A dúvida é se Whitey de fato forneceu qualquer informação, ou se apenas colocou Connolly na sua folha de pagamento para que ele promovesse seus interesses. Mas são incontornáveis as evidências de que vários agentes e a Procuradoria tinham pleno conhecimento de que Whitey seguia assassinando, extorquindo, traficando e aterrorizando. Cadáveres apareciam às dezenas em covas rasas, mas nem multa de trânsito ele levou nesse período. Aí está, talvez, a origem da passividade, ou ausência de paixão, de Aliança do Crime: o diretor Scott Cooper que retratar o terror mas fugir da controvérsia. Ele joga sobre dois agentes o ônus da corrupção e põe de escanteio o que é o centro do caso Bulger – a possibilidade de que ele represente um dos mais escandalosos conluios entre o crime e a lei na crônica americana. Fazer uma omelete sem quebrar os ovos é uma proposição paralisante, e Aliança do Crime sofre com a tentativa de Scott Cooper de solucioná-la.

Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 11/11/2015
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2015

ALIANÇA DO CRIME
(Black Mass)
Estados Unidos/Inglaterra, 2015
Direção: Scott Cooper
Com Johnny Depp, Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Rory Cocharne, Jesse Plemons, David Harbour, Kevin Bacon
Distribuição: Warner
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