Por que tantos cubanos estão fugindo para os EUA e ficando retidos no caminho
Mais de 27 mil 'refugiados' da ditadura Castro chegaram à América em nove meses de 2015
Você pode ter pensado que o relaxamento das tensões entre Washington e Havana resultaria em uma diminuição do número de cubanos que tentam arduamente fugir para os Estados Unidos.
Neste caso, você estaria errado, como mostra uma ótima reportagem de Simeon Tegel, correspondente do Global Post, de Lima, no Peru. Os refugiados do Foro de São Paulo só se multiplicam.
Houve, na verdade, um aumento de 78% do número de cubanos que chegam à “terra dos livres” [“land of the free”, como diz o hino americano] nos primeiros três quartos de 2015, em comparação com o mesmo período de 2014. O total para os primeiros nove meses deste ano é de 27.296.
A razão? Muitos cubanos desesperados para deixar a ilha temem que a melhora das relações possa levar à revogação do Ato de Ajustamento Cubano (“Cuban Adjustment Act”), de 1966.
Conhecido como “pé molhado, pé seco”, ele garante aos cidadãos cubanos que conseguem chegar aos EUA a residência permanente após um ano de estada no país. Os migrantes cubanos recolhidos no mar entre os países, no entanto, são geralmente enviados de volta a Cuba.
E a consequência menos esperada disso tem sido o pandemônio nesta semana em uma remota fronteira da América Central.
Embora muitos cubanos continuem tentando chegar à Flórida em barcos frágeis – tal como os sírios indo da Turquia para a Grécia, ainda que a viagem de 160 km no Caribe seja bem mais longa –, há também outras rotas.
Uma das mais comuns é ir de avião até o Equador, que não requer visto para os cubanos, e então seguir na direção norte por terra. De fato, dois terços dos cubanos que chegam aos EUA entraram por Laredo, no Texas, na fronteira com o México.
O problema é que na semana passada a Costa Rica, um dos países no meio dessa rota, iniciou uma repressão aos “coiotes”, ou traficantes de pessoas, que, segundo a AFP, cobram entre 7 mil e 15 mil dólares por migrante para levá-los da América do Sul para o norte do Rio Grande, na fronteira entre México e EUA.
A medida do governo costarriquenho deixou 2 mil cubanos retidos na Costa Rica sem os documentos necessários para prosseguir sua viagem rumo ao norte. Por razões humanitárias, a Costa Rica lhes concedeu vistos temporários para passar através do país e seguir para a vizinha Nicarágua.
Mas o governo de extrema esquerda da Nicarágua é um forte aliado do ditador cubano Raúl Castro e, portanto, ideologicamente hostil a cubanos que tentam escapar do regime castrista.
O governo da Nicarágua recusou-se a reconhecer os documentos dos cubanos e, na sexta-feira, fechou as fronteiras. No domingo, usou caminhões militares para deportar centenas de cubanos de volta à Ilha.
Desde então, os cubanos têm protestado no ponto de passagem fronteiriça, e isso tem quase que paralisado o fluxo de pessoas e mercadorias. Muitas centenas de cubanos estão acampados na fronteira. Outros 1.000 estão voluntariamente em um abrigo temporário montado na Costa Rica.
Alguns dos migrantes que se aglomeram por lá foram fotografados exibindo cartazes contra o governo nicaraguense, como o da foto abaixo.
A poderosa primeira-dama da Nicarágua, Rosario Murillo, até mesmo alertou sobre a “séria crise desencadeada pela irresponsabilidade da Costa Rica” de encorajar milhares de cubanos sem documentos a atravessar para a Nicarágua.
E o Ministro de Relações Exteriores nicaraguense publicou uma declaração acusando a Costa Rica – um aliado próximo dos Estados Unidos famoso por não ter exército – de “violar nosso território nacional, nossa soberania”.
A querela é apenas o elemento mais recente na história de tensões entre a moderadamente esquerdista e fortemente democrática Costa Rica e a Nicarágua governada pelo presidente Daniel Ortega, que liderou a Revolução Sandinista nos anos 1980 – e é parceiro de Lula no Foro de São Paulo.
Apesar de ter sido eleito, e de a Nicarágua ser nominalmente uma democracia, Ortega tem sido frequentemente acusado de autoritarismo e de repressão à oposição e aos críticos.
Oficiais cubanos, enquanto isso, culpam a política especial de Washington para os migrantes cubanos.
“Essa política encoraja a imigração ilegal de Cuba para os Estados Unidos e constitui uma violação da letra e do espírito dos acordos migratórios”, afirmou o governo cubano.
Washington evitou optar por qualquer dos lados no assunto dos cubanos retidos na América Central.
“Continuamos a encorajar todos os países a respeitar os direitos humanos dos migrantes e a assegurar o tratamento humano dos indivíduos que buscam asilo ou outras formas de proteção, de acordo com a lei internacional, e com nossas próprias leis nacionais”, declarou o Departamento de Estado americano em e-mail ao GlobalPost.
Mas o Departamento também mencionou que governos têm o direito de recusar migrantes que “não tenham solicitações válidas de asilo ou outra base legal para permanecer no país”, acrescentando que “qualquer recondução ao país de origem deve ser levada a termo de modo seguro e com dignidade”.
A Costa Rica também tem minimizado o problema, insistindo que se respalda em leis nacionais e internacionais ao lidar com a crise humanitária. Seu Ministro de Relações Exteriores, Manuel Gonzalez Sanz, acrescenta que o governo costarriquenho tem sido “cauteloso” em lidar com a crise, mas evitou a todo custo responder aos ataques da Nicarágua.
Enquanto isso, mais de 2.000 homens, mulheres e crianças, com não muito mais que a roupa de seus corpos, aguardam ansiosamente na fronteira.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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