Conforme o esperado, a Câmara dos Deputados negou licença ao Supremo Tribunal Federal para buscar provas de que Michel Temer cometeu crime de corrupção passiva. Talvez não se encontrasse nada, mas o governo resolveu não arriscar mesmo diante de uma “denúncia inepta”.
O presidente fez o diabo, a exemplo da titular da chapa que resultou na reeleição dos dois em 2014, uma vitória de voo curto, seguida de derrocada cujo desfecho se deu um ano e meio depois. Dilma Rousseff levou o país ao inferno. Já Michel Temer se sentou no meio da fogueira que vinha lhe chamuscando o mandato desde que seus auxiliares mais próximos foram sendo atingidos por investigações, acusações, processos, prisões, até o cúmulo de o chefe da nação em pessoa ser flagrado numa conversa para lá de suspeita com um interlocutor qualificado por ele mesmo como “bandido”.
Assim como a eleição ganha na base de ilícitos e mistificações, o resultado da votação de quarta-feira última na Câmara representa um êxito fugaz. De pouco brilho, considerando-se a diferença entre os deputados pró e contra a continuidade das investigações — 36 votos, parcos diante do caráter perdulário do governo no empenho de esforços: substituição de deputados na Comissão de Constituição e Justiça, bem como no plenário, liberação de mais de 2 bilhões de reais em emendas ao Orçamento, aceno de reforma ministerial, promessas de cargos no segundo e terceiro escalões nos estados (fundamentais numa eleição sem financiamento empresarial), atendimento de interesse específico da bancada ruralista (230 parlamentares) e marcação cerrada deputado a deputado durante dois meses.
Isso sem contar a inestimável ajuda de uma oposição destrambelhada e a absoluta indiferença das ruas, não obstante a contundente opinião, contrária ao governo, do público expressa nas pesquisas. Por mais que os números tenham garantido a permanência de Temer, não é possível tomá-los como demonstração de força. No máximo, uma exibição do exercício da velhíssima política que agrada ao Parlamento mas desagrada sobremaneira ao eleitor com o qual suas excelências não estão preocupadas agora.
Erram de A a Z. Michel Temer por ficar pendurado no apoio de um Congresso desmoralizado, dependente de promessas que não pode cumprir e refém da escassez de armas para enfrentar denúncias e delações que estão por vir. Os partidos por não compreender que a eleição de 2018, diferentemente das últimas em que o PT dominou, terá a participação ativa de artistas caros à intelectualidade de um lado e, de outro, dos apresentadores de programas populares de rádio e televisão, cujo repúdio à decisão da Câmara estava em todas as telas um dia depois de personagens como Tiririca e Sérgio Reis terem contrariado a orientação dos respectivos partidos, votando a favor da investigação.
A nota de sarcasmo foi dada pelas repetidas referências à autoria do parecer-base do veto à denúncia: um deputado do PSDB, partido em frangalhos que funciona como o fiel da balança em que Temer se equilibra entre o peso da rejeição da sociedade e a fragilidade de uma maioria parlamentar instável, exigente e insaciável.
Publicado em VEJA de 9 de agosto de 2017, edição nº 2542