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Lira do delírio

A agenda regressiva que o presidente da Câmara chama de reforma política

Por Dora Kramer Atualizado em 23 jun 2021, 12h39 - Publicado em 18 jun 2021, 06h00

O Brasil enfrenta problemas graves para todo tipo de (des)gosto — sanitário, político, econômico, social e energético —, que requerem a mobilização de diversos setores. Uns com maior êxito e presença, outros com menor eficácia, menos visibilidade ou poder de influência, mas cada qual fazendo a sua parte na medida das respectivas possibilidades.

O Supremo Tribunal Federal num empenho diuturno para barrar ofensivas antidemocráticas, o Ministério Público e a Polícia Federal em luta contra interferências “de cima”, organizações sociais mobilizando-se para minorar a situação de brasileiros vulneráveis, governadores e prefeitos envolvidos numa saudável corrida em prol da vacinação, o Senado montando na CPI o quebra-cabeça do desmazelo governamental na gestão da pandemia e a oposição mergulhada nas articulações para enfrentar Jair Bolsonaro em 2022.

Diante disso, a Câmara dos Deputados faz o quê? Discute mudanças nas regras político-eleitorais, entre as quais a instituição do voto impresso para conferência do resultado obtido nas urnas eletrônicas. E esse é apenas um entre os vários itens de uma agenda regressiva que o presidente da Câmara, Arthur Lira — patrocinador maior da iniciativa —, chama de reforma política.

Na pauta do atraso estão também restrições à atuação da Justiça Eleitoral, o afrouxamento das regras de inelegibilidade tornadas mais severas na Lei da Ficha Limpa, a volta das doações empresariais, a revogação do fim das coligações proporcionais, a redução das exigências para o desempenho eleitoral dos partidos para acesso ao fundo público de financiamento e horário no rádio e na televisão, além da adoção de um sistema chamado “distritão”, que, segundo especialistas, fortalece as cúpulas, mas enfraquece a estrutura das legendas.

Até por representarem um retrocesso em relação a alguns avanços obtidos ao longo dos últimos anos, várias dessas medidas em discussão já foram rejeitadas anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (voto impresso, em 2013 e 2020, e financiamento empresarial, em 2015) e pelo próprio Congresso (“distritão”, em 2015 e 2019).

Não que o atual sistema seja perfeito. Longe disso. São inúmeras as distorções a serem corrigidas para uma adaptação aos tempos modernos do funcionamento dos partidos, da forma como se elegem parlamentares e até de uma configuração de governos que permitisse a interrupção de mandatos por caminho menos traumático que o impeachment.

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Muito haveria a ser discutido para levar a cabo um processo de aperfeiçoamento. Por exemplo, a retomada do debate sobre a adoção do parlamentarismo, mas de maneira séria e consistente, e não da forma açodada e referida apenas nas circunstâncias do momento, como já aconteceu nas duas vezes (em 1963 e 1993) em que plebiscitos deram vitória ao presidencialismo.

“Voto impresso é um entre os vários itens da agenda do atraso que a Câmara chama de reforma política”

Outro ponto que poderia ser enfrentado, mas é convenientemente ignorado, diz respeito ao voto facultativo, que nas pesquisas recebe apoio crescente da população. A obrigatoriedade assegura reserva de mercado aos partidos e aos políticos.

Também pela defesa das respectivas conveniências é que suas excelências não abordam uma questão de interesse do contribuinte: o excesso de dinheiro público para financiar as legendas. Hoje, os valores dos fundos eleitoral e partidário somam quase 3 bilhões de reais e vão além disso se contabilizada a renúncia fiscal das emissoras em decorrência da veiculação do horário eleitoral, que de gratuito só tem o nome.

Nada disso é contemplado na dita reforma ora em exame na Câmara. Isso porque a ideia não é reformar nem melhorar coisa alguma, mas tentar ajustes em causa própria. Uma espécie de “se colar, colou”, cuja posição de carro-chefe foi agora assumida pela história do voto impresso no gentil patrocínio do deputado Lira em prol do delírio persecutório de Jair Bolsonaro.

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A intenção do presidente da República e seus parceiros nessa empreitada, que, se exitosa, custaria ao bolso do público 2 bilhões de reais, não é conferir confiança à apuração dos votos, mas disseminar a desconfiança sobre o resultado da próxima eleição.

É ingenuidade acreditar que cedendo a esse desejo retira-se do presidente o pretexto para contestar o produto das urnas e assim ficará tudo bem. Não ficará, porque o temor não é a fraude. Vem da consciência de que a paga das pragas rogadas diariamente ao país pode ser a derrota eleitoral.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743

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