Aceitemos, se não de bom grado ao menos com esforço de tolerância, que o presidente Jair Bolsonaro fale aos seus nichos eleitorais de forma a compensar a perda de apoio registrada pelas pesquisas entre o pessoal que votou nele por exclusão, motivado pela oportunidade de afastar o PT do poder. É um método. Conflituoso e muito semelhante ao artifício do “nós contra eles” de Luiz Inácio da Silva, mas exitoso. O eleitor de raiz está firme.
Dadas as qualificações intelectuais de ambos, não se pode condenar Bolsonaro por copiar o adversário de quem absorve os conceitos trocando-lhes os sinais antes de apresentá-los à população, a fim de tentar obter o mesmo grau de sucesso conseguido pelo discurso da “quase lógica”, assim muito bem denominado pela cientista política Luciana Veiga.
Ainda em 2005, quando era geral o encantamento com Lula, a ponto de serem celebradas suas exorbitâncias verbais, vistas como fruto de genialidade política, a cientista pontuava: “O presidente usa argumentos que parecem lógicos segundo noções genéricas do cotidiano, embora não o sejam se cotejados com a precisão da realidade”.
“O presidente tem gosto especial por temas de menor relevância”
Luciana Veiga à época foi ignorada pelos meios de comunicação e pela comunidade acadêmica que hoje a ouvem a respeito do jeito Bolsonaro de ser. Não se toca no assunto nem se relembra o conteúdo da análise sobre Lula. A tal da quase lógica é a arte de dizer bobagens e/ou obviedades com jeito de coisa séria.
No caso do atual mandatário, ainda há que acrescentar o gosto por decisões pautadas em irrelevâncias. Alguns temas até são importantes, mas perdem relevo e caem no esquecimento pela forma e pelo momento que Bolsonaro escolhe para a abordagem.
Um exemplo é a indicação do representante do Brasil para a embaixada em Washington, vaga desde abril, quando o diplomata Sergio Amaral decidiu retirar-se de cena por respeito a si e à carreira. Tantas são as resistências ao nome do deputado Eduardo Bolsonaro que não é arriscado apostar que a ideia não prospera. Então, por que semear conflito justamente quando o governo deveria curtir o bom momento da aprovação da reforma da Previdência na Câmara? Para atrair as atenções voltadas para o deputado Rodrigo Maia é uma hipótese. Irrelevante, pois.
Vamos aprendendo que nada é tão insignificante que não mereça a atenção de Jair Bolsonaro. Discutir horário de verão em pleno mês de março enquadra-se perfeitamente no modelo. Assim como proposições inexequíveis por força da realidade. Nesse campo temos a transferência da embaixada brasileira de Tel- Aviv para Jerusalém, o pacto entre Poderes cuja finalidade seria levar Legislativo e Judiciário a obedecer ao Executivo e a criação de uma moeda conjunta (peso-real) com a Argentina.
Nada disso vai adiante, tal qual não irão as ideias de transformar Angra dos Reis (RJ) numa nova Cancún ou de liberar Fernando de Noronha ao turismo predatório. Presidentes normalmente interferem quando há necessidade de um “freio de arrumação” no governo. Com Bolsonaro é diferente: ele está permanentemente com o freio de mão puxado no modo desarrumação.
Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644