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Com um olho serás rei

O risco de, outra vez, optarmos pelo “menos pior” na Presidência

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 16h34 - Publicado em 12 abr 2019, 07h00

É verdade que o excêntrico parece ser o novo normal nesta quadra mais que estranha da nossa República. É fato também que o mundo da política se movimenta no ritmo da dinâmica eleitoral. Ainda assim não é usual que três meses depois de iniciado um governo já se fale aberta e naturalmente em sucessão mesmo entre aqueles que até outro dia eram entusiastas do presidente eleito. Caso, por exemplo, dos governadores do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria.

Bolsonaristas de caniço e samburá, ambos atuam com total falta de cerimônia, como se a gestão de Jair Bolsonaro fosse acabar amanhã. Witzel se assume pré-candidato e Doria age como tal. Os dois já estão buscando manter distância regulamentar do governante, cuja avaliação de desempenho nas pesquisas de opinião é a pior desde que se faz esse tipo de medição — da primeira eleição presidencial direta pós-redemocratização para cá.

Faltando três anos e praticamente nove meses para o término do mandato, é claro que há tempo de sobra para Jair Bolsonaro se acertar e recuperar fôlego suficiente para pleitear a reeleição que jura rejeitar. Mas no momento o aroma no ar não é esse, e aí se assanham os adeptos da antecedência.

Uns mais explícitos, como Witzel, outros em atuação implícita, como Doria, e ainda há os que caminham devagar e na sombra. Nesse caso está o apresentador Luciano Huck. Entre outros movimentos, o apresentador, no mês passado, pediu para conversar com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não se sabe o assunto, mas para contar votos pela reforma da Previdência é que não foi.

E a oposição? Pobrezinha, está perdida e muito mal paga. Primeiro, vamos entender o que é oposição: partidos e políticos que se posicionaram contra Jair Bolsonaro ou com ele concorreram na eleição. Os mais importantes estão às voltas com problemas partidários internos. Fernando Haddad, com o PT de uma nota só do lema “Lula livre”, e Geraldo Alckmin, refém da resistência tucana ao avanço de Doria sobre o comando total do PSDB. Isso nas horas vagas de seu novo papel de parceiro de Ronnie Von na TV.

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Desse campo Bolsonaro nada tem a temer. Já quem está aqui do outro lado do balcão tem muito a recear diante do deserto de pessoas e ideias no geral. Corremos o sério risco de repetir o critério da escolha de um governante pela lógica do “menos pior”. Foi assim quando o país quis se livrar do PT. Não poderá ser assim, mas talvez seja, se o Brasil quiser se livrar das bolsonarices que se traduzem em bizarrices.

Se as coisas continuarem ruins, o pior que nos espera será a desesperança em grau crescente. Tudo pode acontecer, da pior maneira, do jeito mais errado, e qualquer um que apareça com qualquer conversa pode convencer. A terra hoje é de cego e, nela, quem tiver um só olho poderá vir a ser coroado rei ou rainha sem que olhemos a qualidade do produto que nos parece um pouquinho melhor.

Publicado em VEJA de 17 de abril de 2019, edição nº 2630

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