Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
Curiosidades e novidades da gastronomia universal. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

O falso português

Surgido por influência dos padres jesuítas e navegadores lusitanos do século XVI e XVII, o tempura virou um prato clássico da cozinha japonesa

Por J. A. Dias Lopes
Atualizado em 30 jul 2018, 11h08 - Publicado em 30 jul 2018, 11h07

O navio a vapor Kasatu Maru, que 110 anos atrás transportou oficialmente os primeiros colonos japoneses ao Brasil, trouxe obviamente a maravilhosa cozinha dos imigrantes. Nutritiva, equilibrada e saborosa, pela forma de escolher e harmonizar os ingredientes, é de uma plasticidade e de um colorido incomuns no mundo. O Brasil se apaixonou por ela e atualmente até as crianças a apreciam. A cozinha do Japão recebeu muitas influências, sobretudo da China, da qual o país se encontra separado apenas por um trecho relativamente estreito de mar. Da nação vizinha, vieram o arroz, o macarrão, o lámen, o guioza, o yakisoba, o tofu e o shoyu. Mas a capacidade dos japoneses de reinventar assimilações forasteiras de todos os tipos, deu-lhes personalidade própria. Hoje, estão incorporadas pela sua culinária – e ninguém contestaria isso. 

Os portugueses também influenciaram a cozinha japonesa. Entre os séculos XVI e XVII, navegadores lusitanos aportaram no Japão. Desembarcaram na Terra do Sol Nascente para trocar produtos de grande valor comercial, vender armas como a tanegashima (tipo de arcabuz) dos samurais, fazer tráfico de escravos e converter xintoístas e budistas à fé cristã. Concentram-se em Nagasaki, no sul do Japão, a mesma cidade que os norte-americanos arrasaram em 1945 com uma bomba atômica. Ali os portugueses fundaram em 1571 um porto comercial importantíssimo. Não por acaso, Nagasaki foi por muito tempo a capital do catolicismo no país. Alguns portugueses se instalaram no Japão, outros iam e vinham em embarcações baseadas na China ou na Índia. Um dos pratos que legaram à culinária nacional é o tempura (pronuncia-se tempurá), hoje quase tão prestigioso quanto o sushi e o sashimi.  

No seu preparo, peixes, camarão, moluscos, legumes e verduras são passados em polme – massa mole à base de farinha, água gelada e ovos –, fritos no óleo a uma temperatura de 160 a 180º C.  É prato leve e crocante, não leva fermento, nem claras em neve. Descende da receita dos peixinhos da horta, tradicional da culinária de Portugal, na qual pedaços de feijão-verde ou de abóbora e pimentão são envoltos em polme e fritos. Outra receita portuguesa, as pataniscas de bacalhau, preparadas com pedaços pequenos e irregulares do peixe homônimo, seguem procedimento assemelhado.

Curiosamente, o tempura tem ascendência religiosa. Além dos navegadores, foram ao Japão missionários religiosos. Em 1547, o padre  espanhol Francisco Xavier, co-fundador da Companhia de Jesus e futuro santo, desembarcou em Kagoshima, no extremo sul do Japão, e começou a evangelizar o povo da região, acompanhado de outros jesuítas. Naquele tempo, os católicos observavam três dias especiais de vigília, oração, jejum e abstinência de carne – quarta-feira, sexta-feira e sábado – no início de cada estação do ano, ou seja, no outono, inverno, passagem da primavera e chegada do verão. Chamavam-se Quatro Têmporas (Quatuor Tempora, em latim), celebrações litúrgicas provavelmente instituídas no século V pelo papa São Leão Magno. Davam continuidade a um preceito do Antigo Testamento (Zacarias 8:19). Os judeus jejuavam quatro vezes por ano. A primeira era por ocasião da Páscoa; outra antes de Pentecostes; a terceira na Festa dos Tabernáculos, em setembro, a última antes do Chanuca ou Festival das Luzes, em dezembro. 

Como os forasteiros portugueses tivessem que comer peixe mas abominassem saboreá-los crus, à maneira japonesa, os religiosos e leigos católicos passaram a empaná-los e fritá-los junto com frutos do mar, legumes e verduras, alimentos permitidos pelas normas  eclesiásticas. Assimilando a receita, os japoneses batizaram a preparação de tempura. Alguns autores explicam a designação de modo ligeiramente diverso. Dizem provir da expressão latina ad Tempora Cuaresmae, ou seja, Tempo de Quaresma. Trata-se, porém, de versão incompleta. No hemisfério sul, as Têmporas da Quaresma assinalam o início do outono. Igualmente não passa de lenda a etimologia apresentada em vários dicionários ingleses de que a palavra tempura viria da portuguesa tempero. 

Os japoneses aprenderam outras receitas com os lusitanos. Uma delas foi a arte dos confeitos, depois de introduzirem na Terra do Sol Nascente mudas de cana-de-açúcar originárias da Ilha da Madeira. Passaram a fazer docinhos que batizaram de kompeito. Outra influência: o pão de ló. Na época, esse bolo fofo, à base de farinha, açúcar e ovos, chamava-se castela ou bolo castela. Viria do ponto dos ovos após serem batidos. Devem ficar firmes. Quando caem da colher, formam pequenos castelos. Outra hipótese é a designação derivar de castela, antiga moeda castelhana que circulou em Portugal no tempo de D. João I (1357-1433). Só depois o bolo virou pão de ló. Alguns afirmam que a navegação teria influenciado a troca do nome. Ló é o lado do navio voltado para o vento. 

Continua após a publicidade

O vocábulo pão de ló poderia igualmente estar relacionado com uma antiga escumilha, tecido fino e delicado. Nos dois casos o nome dado ao bolo evoca sua fofura e leveza. No livro “Festas e Comeres do Povo Português II”, (Editora Verbo, Lisboa, 1999), Maria de Lourdes Modesto, Afonso Praça e Nuno Calvet, publicam uma derradeira versão, apesar de não a defenderem. Segundo uma antiga crença, na localidade de Margaride, perto da cidade do Porto, teria vivido uma doceira cujo marido recebeu o apelido de Ló – daí a designação do bolo. Os japoneses assimilaram castela e chamam o seu pão de ló de kasutera. 

Quanto ao tempura, foi popularizado na cidade de Edo, atual Tóquio, cujo mar vizinho fornece ingredientes perfeitos para sua elaboração. A receita original aconselha usar peixes frescos e não muito grandes, especialmente os de carne branca; moluscos e crustáceos delicados. O sucesso do tempura foi tão grande que o prato começou a ser oferecido tanto por barracas de rua, sobretudo nos bairros junto ao porto, como em restaurantes casuais ou qualificados. O Hashizen, que ficava próximo da conhecida estação ferroviária Shimbashi, aberto em 1831 e fechado no ano de 2002, teria sido o primeiro a servir tempura.  Dali se espalhou pelas quatro grandes ilhas (Honshu, Shikoku, Kyushu e Hokkaido) a as outras mais de três mil que formam o arquipélago japonês, fazendo surgir até casas especializadas no seu preparo: os tempura-ya. 

A receita básica é feita com peixe, camarão e moluscos; e os legumes e verduras costumam ser abóbora, berinjela e batata doce; além de cogumelos. Apareceram pratos derivados ou combinados. Os mais apreciados são o tempura-sobá (camarão, cogumelos e pimentão verde, empanados e dispostos no alto do sobá, massa alimentícia japonesa à base de farinha de trigo sarraceno), e o tendon (semelhante, porém usando arroz temperado com tare ou teriyaki, molho de cor escura, sabor adocicado e bastante encorpado). Convém incluir o tempura-teishoku (refeição constituída de camarões empanados, arroz, picles e missoshiro, uma tradicional sopa de soja cozida e fermentada); o koosu (menu-degustação da casa, composto de tempura, arroz, sopa e picles); e o moriawase-kisetsu (verduras da estação sortidas e abundantes). Alguém se atreve a duvidar que o tempura é um legítimo japonês? 

RECEITA

TEMPURA 

Continua após a publicidade

Rende 2 porções 

INGREDIENTES 

CAMARÕES, LEGUMES, VEGETAIS

.6 camarões médios, limpos, sem casca, com os rabinhos

.2 cenouras médias em palitos

Continua após a publicidade

.1/2 batata-doce em fatias finas

.2 cebolas cortadas em rodelas

.1 berinjela fatiada

.60g de ervilha torta

.60g de couve-flor separada em florzinhas

Continua após a publicidade

.60g de brócolis separado em florzinhas

. Farinha de trigo para polvilhar

.Óleo para fritar 

POLME (MASSA)

.2 ovos

Continua após a publicidade

.2 xícaras (chá) de água gelada

.2 xícaras (chá) de farinha de trigo passada pela peneira

.4 pedras de gelo

MOLHO

.2 xícaras (chá) de dashi (caldo de peixe)

.4 colheres (sopa) de mirin (vinho doce de arroz)

.5 colheres (sopa) de shoyu de boa qualidade

.3 colheres (sopa) de nabo comprido ralado fino

.1 colher (sopa) de gengibre ralado fino 

PREPARO 

CAMARÕES, LEGUMES, VEGETAIS

1.Polvilhe os camarões e os demais ingredientes com um pouco de farinha de trigo. Reserve. 

POLME

2.Em um recipiente, junte os ovos, a água, o gelo, a farinha de trigo e misture até obter uma massa homogênea que, ao pingar, deverá cair ligeiramente grossa.

3.Em uma frigideira grande, aqueça bastante óleo, em fogo forte, até atingir a temperatura de  160°C.

4.Aos poucos, vá mergulhando os ingredientes na massa, escorra um pouco e frite-os no óleo quente, poucos por vez, começando pelos mais duros e depois colocando os mais macios. Retire os ingredientes do óleo, à medida que forem ficando crocantes e ligeiramente dourados.  Escorra-os em papel absorvente. O tempo médio de fritura é de dois a três minutos para os legumes e vegetais e três a quatro minutos para os camarões. 

MOLHO E FINALIZAÇÃO DA RECEITA

5.Para o molho, misture o dashi, o mirin, o shoyu e leve ao fogo. Assim que ferver, retire dali e finalize acrescentando o nabo e o gengibre. Sirva o tempura quente, com o molho separado, em tigelinhas individuais.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.