Cerca de vinte anos atrás eu subi ao palco como integrante de um elenco de empresários que encenavam uma peça amadora para obter recursos para causas sociais. Ninguém era ator ou atriz profissional, mas estávamos todos compenetrados de nossos papéis. O teatro beneficente era um desafio que encarávamos com aplicação. Havia expectativa. Nos bastidores, aquele nervosismo natural de uma estreia, mas havíamos ensaiado e eu estava confiante. Entrei em cena, tão extravagante quanto a personagem exigia. Antes da minha fala, no entanto, ouvi uma frase que não estava no roteiro. “Filha, o que você está fazendo com esse laço na cabeça? Desce daí!” Era minha mãe, dona Floripes, que, perto dos seus 90 anos, fora levada ao teatro por meu irmão Alcides. Foi nesse momento que a família teve certeza de que ela não estava bem. Nos dez anos seguintes, fomos perdendo-a aos poucos, com suas ausências cada vez mais prolongadas.
Tudo isso me veio à mente por causa do filme Meu Pai, com o magistral Anthony Hopkins, que retrata as provações da vida em família quando um de seus membros sofre algum tipo de demência. A lembrança me levou a perguntar se não há nada que se possa fazer para preservar a memória ameaçada pela idade. A resposta da neurociência é que há, sim — e não apenas para reverter perdas, como para melhorar a performance cerebral. O segredo do seu bom funcionamento é o exercício constante. Como uma barriga que desconhece flexões fica flácida, um cérebro sem desafios intelectuais tem sua elasticidade atrofiada.
“Aprender uma língua ou começar a tocar um instrumento estão no topo do ranking”
O que fazer? Se você pensou em palavras cruzadas ou sudoku, acertou, mas só em parte. O psiquiatra americano Daniel Amen, craque em cuidar do cérebro, recomenda em obra recente uma série de exercícios para ativar as cinco principais partes em que esse órgão está dividido. Aqueles passatempos são recomendados para uma delas — o córtex pré-frontal, considerado o CEO do cérebro, que nos capacita a aprender com erros e fazer planos. Quem foca só o lado analítico, porém, não estimula corretamente o cérebro. É como querer cuidar do corpo todo fazendo apenas abdominais. Da mesma maneira que criamos músculos, tonificando-os, podemos criar neurônios, independentemente da idade, desde que submetamos nosso cérebro a novidades. Esse é um aspecto crucial, pois, quando passamos a dominar algum conhecimento, o cérebro se acomoda numa zona de conforto.
A lista de atividades recomendadas é extensa. Aprender uma língua ou começar a tocar um instrumento estão no topo do ranking. Jogos que envolvem estratégia, como o xadrez, são importantes, mas não menospreze a contribuição de games 3D. Memorizar um poema, além de aguçar sua sensibilidade, certamente provocará novas sinapses, aquelas conexões entre células nervosas que tornam possíveis pensamentos e emoções. Meditação também vale. Da mesma maneira que dançar, tentar se localizar sem GPS, jogar golfe ou caminhar com vigor para oxigenar o cérebro. O conjunto das iniciativas equivale a uma fornada de madeleines, aquele bolinho famoso por ter puxado o fio da memória em Proust.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737