Outro dia flagrei uma discussão, típica dos dias que correm, entre uma mãe e o filho pequeno. A criança queria porque queria a Alexa, a assistente virtual da Amazon. A mãe resistiu: “Por que você quer isso?” E ouviu uma resposta preocupante: “Para não ter que levantar da cama e apagar a luz enquanto estou no celular”. A Alexa, como se sabe, é aquele dispositivo diabolicamente esperto que comanda à distância vários aparelhos da casa, da televisão ao ar-condicionado, passando pelos interruptores, o aspecto que chamou a atenção do menino.
A cena me fez refletir sobre a incrível sedução que essas inovações exercem sobre as pessoas. O carro que dispensa motorista, o patinete motorizado que rouba espaço das bicicletas no calçadão da praia, o aplicativo que transcreve falas, evitando a digitação mecânica, o robô que aspira a casa – este um sucesso em tempos de confinamento. Para onde se olhe, uma engenhoca promete alguma vantagem que não implique em gasto de energia pessoal.
O fenômeno se intensificou, mas não é recente. Muitos aparelhos estão tão arraigados ao nosso cotidiano que é difícil lembrar como fazíamos antes de terem sido inventados. São coisas banais, como o descascador de batatas ou o controle automático das janelas dos carros. Depois deles, cozinheiros e motoristas investiram em tarefas mais nobres do que tirar a pele do tubérculo ou girar uma manivela. Por falar em carros e antiguidades, não custa lembrar que a história das invenções começou lá atrás, com a roda, que poupou a Humanidade de longas caminhadas. Como diz Mário Quintana, “a preguiça é a mãe do progresso”.
O progresso é mesmo um bom filho. O progresso material, da ciência, do conhecimento, da tecnologia, é sempre bem-vindo. Nesse campo, não há lugar para nostalgias, para o surrado “bom mesmo era quando…”. Essa atitude remete ao ludismo, aquele movimento dos trabalhadores ingleses que, no século XIX, quebravam as modernas máquinas de tecelagem como forma de protesto contra a Revolução Industrial. Mas, se o progresso é um bom filho, para voltar à imagem do poeta, o problema é sua mãe – a preguiça.
Gostaria de propor um novo olhar sobre o consumo de serviços e produtos que induzam ao sedentarismo excessivo. O homem é, historicamente, um animal sedentário. Faz tempo isso – desde que, há uns milênios, deixou de ser caçador para desenvolver a agricultura. O problema atual é o sedentarismo elevado à enésima potência. É isso que, em nome da saúde individual e coletiva, deve ser combatido. É tudo uma questão de gradação. Uma coisa é acionar o controle remoto da TV, para não ter que levantar a cada minuto enquanto estiver zapeando. Outra coisa é ter preguiça de dar uns passos uma única vez à noite e apagar a luz do quarto, para ficar com o exemplo do nosso candidato mirim a preguiçoso mor.
Nossas escolhas tecnológicas têm impacto sobre nossas vidas. É preciso, portanto, que sejam conscientes. Nada contra o progresso, nada contra a Alexa. A questão, desde sempre, é o uso que fazemos das tecnologias disponíveis. Uma faca pode ferir ou cortar o queijo.
E por falar em queijo: “Alexa, quanto tempo de caminhada na esteira para perder 300 calorias?”