Projeto liberta figuras de pinturas clássicas para soltá-las por cidades do mundo todo
O mineiro Gabriel Nardelli Araújo é autor do The Canvas Project, série de imagens surreais que discute o uso dos espaços urbanos
As meninas em rosa e azul de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919) posam para foto no vão do Masp como se fossem turistas comuns. O acervo do museu inclui justamente o retrato impressionista das irmãs, datado de 1881. Teriam ficado entediadas e saído para dar uma volta?
Em Nova York, o enredo se repete. Um homem caminha sobre toras de madeira perto do píer 1 da ponte do Brooklyn Park. Daria para dizer que tem uma postura meio punk meio rock´n´roll, não fosse seu estilo iluminista, criação de George Caleb Bingham (1811-1879) de 1846.
Estaria havendo uma revolta de figuras da pintura mundial que, cansadas de ficarem aprisionadas nas telas, resolveram cair na vida real? É a impressão que se tem ao acompanhar a série do The Canvas Project (@the_canvasproject), com perfis no Instagram e no Facebook.
O responsável por essas alucinações urbanas é o mineiro Gabriel Nardelli Araújo, 26 anos, morador de Belo Horizonte. Publicitário, fotógrafo e graduando em Arquitetura e Urbanismo na UFMG, ele voltou de uma temporada de estudos em Londres no final do ano passado e resolveu brincar de libertar seres de óleo sobre tela e soltá-los por aí.
À primeira vista, é difícil saber como as imagens são criadas, se ampliadas e materializadas em ruas e calçadas ou se tudo não passa de um impressionante (ou impressionista) truque digital. Em conversa com o blog Cidades sem Fronteiras, ele explica qual sua técnica e conta outras curiosidades do projeto.
1) Como são feitas as imagens? Partes das telas selecionadas são reproduzidas materialmente ou aplicadas digitalmente sobre uma foto?
O processo é inteiramente digital, minhas obras não existem, pelo menos até o momento, de forma física. É realizado no Photoshop usando como base fotos de locais que visitei e de quadros que tive acesso. Outros quadros são disponibilizados online pelos próprios museus em arquivos de alta resolução, o que tem ajudado bastante na qualidade final das imagens.
2) De onde surgiu a ideia de criar imagens a partir da contraposição de pinturas clássicas à paisagem urbana?
Quando produzi as primeiras imagens, não imaginei que seguiria com a ideia do projeto. As primeiras foram um reflexo do momento que eu estava passando, sem maiores pretensões. Tive a oportunidade de passar uma temporada em Londres e lá quis produzir algo além de simples fotos de viagens ou de arquitetura. Neste período, trabalhei bastante também com renderização e inserção de figuras humanas em projetos de arquitetura, começando a explorar novas formas de representação, inclusive a mistura de diferentes mídias nas imagens. O projeto surgiu então de forma natural, como síntese deste momento, juntando a cena cultural de Londres, minha experiência com fotografia e os trabalhos que eu estava realizando.
3) Qual o objetivo do projeto, o que você espera revelar/ discutir?
O valor do projeto, para mim, cresceu com o passar do tempo. No início, o que me interessava era criar uma cena quase surreal, contrapondo a cidade contemporânea com os costumes de outros tempos, principalmente em relação ao vestuário. O fato de usar de imagens de quadros famosos ajuda a criar um novo mundo, deixando de lado a realidade e promovendo uma nova leitura dos quadros originais.
Com o passar do tempo, fui percebendo as montagens como novas formas de apropriação do espaço e das obras de arte. Talvez seja semelhante ao que sente um pichador ao deixar sua marca pela cidade, porém de forma virtual e sem atuar diretamente sobre o patrimônio. Sinto que deixo uma marca imaterial naquele lugar. As pessoas que tiveram contato com minha obra e posteriormente visitam o espaço ou veem o quadro original podem ter uma nova visão sobre eles.
Não sei se é uma sensação que as pessoas conseguem ter observando as obras finalizadas ou se está mais relacionada com o próprio processo de criação, mas os espaços realmente ganham um novo significado para mim.
Além disso, sinto que a obra cria novas regras para a apropriação dos espaços, seja propondo banhar-se em espelhos d´água, ou assentar em guarda-corpos para apreciar a vista da cidade. Dessa forma espero que haja, também por parte daqueles que tem contato com minha obra, uma reflexão sobre a forma com que nos apropriamos dos espaços da cidade, e particularmente para os arquitetos, sobre como a arquitetura pode ser pensada para receber diferentes apropriações, e comportar vários usos.
5) Como tem sido a reação das pessoas?
O projeto teve uma aceitação melhor do que esperava. Tenho sentido grande interesse das pessoas sobre o processo, sobre os lugares onde as fotos foram feitas e sobre os quadros originais, o que me levou a criar uma página no Facebook dando alguns detalhes a mais sobre cada uma delas. Além disso, tem sido muito interessante perceber como as pessoas gostam de ver suas cidades e os locais que frequentam representados nas obras.
6) Há algum desdobramento sendo programado (livro, exposição, replicar em outras cidades etc.)?
O sucesso do projeto tem trazido algumas oportunidades para levá-lo para além do Instagram, mas ainda são ideias em andamento. Enquanto isso, o projeto continua em desenvolvimento no Instagram e no Facebook, com várias cidades em vista para os próximos meses.
Por Mariana Barros
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