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Por André Sollitto e Ricardo Amorim
Novidades e reflexões sobre o mercado da cannabis legal, no Brasil e no mundo
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Projeto de lei da cannabis medicinal ignora direito ao cultivo individual

Para conquistar votos favoráveis no Congresso, relator exclui modalidade adotada por muitos pacientes no Brasil e no mundo

Por Ricardo Amorim Atualizado em 22 ago 2020, 00h45 - Publicado em 21 ago 2020, 15h00
Plantação de maconha caseira, na cidade francesa de Esvres
O cultivo doméstico pode ser a única opção para muitos pacientes (Alain Jocard/AFP/AFP)

Se a “política é a arte do possível”, também é verdade que “de boas intenções o inferno está cheio”. O encontro dos adágios populares me parece apropriado para descrever o substitutivo ao Projeto de lei 399/2015, apresentado nesta semana pelo deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR). Relator da matéria na comissão especial que a discute na Câmara dos Deputados, Ducci optou por uma redação conservadora para aumentar suas chances de aprovação no Congresso, segundo ele mesmo admitiu em entrevista coletiva na última quarta-feira 19. Proposto em 2015 pelo deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), o PL 399 visa alterar o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas), para “viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação”.

Alvo de preconceito, fanatismo e desinformação desde a sua apresentação, a proposta finalmente ganhou impulso com a instalação da comissão especial em outubro do ano passado, sob a presidência do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Desde então, e mesmo em meio à pandemia, os parlamentares se debruçaram sobre o tema, chamaram a sociedade para o debate em inúmeras audiências públicas e buscaram aprender com as experiências de outros países, principalmente nossos vizinhos Colômbia e Uruguai. O trabalho, de fato, foi bem feito e é digno de aplausos, não apenas pela dedicação com que foi realizado, mas pelo mérito de levar ao Congresso uma discussão relevante e urgente acerca do uso medicinal da cannabis no Brasil. E é justamente por isso que considero tímidos os avanços propostos pelo substitutivo de Ducci.

Ainda que repleto de boas intenções, a principal delas sendo a de facilitar a tramitação, o projeto peca em dois pontos principais. O mais grave, no meu entendimento, é mais uma vez desconsiderar o paciente que cultiva o seu próprio remédio. A segunda controvérsia está relacionada à prometida redução dos preços ao paciente, consequência sem qualquer garantia de concretização (deixarei esse tema para a semana que vem, em um post específico, dada sua complexidade e multiplicidade de visões).

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Voltando à primeira questão: pelo texto apresentado, o cultivo ficará restrito às pessoas jurídicas. Ora, o que são pessoas jurídicas senão uma reunião de pessoas físicas? Não me parece justo (e nem legal) que empresas tenham mais direitos que cidadãos. Enquanto o executivo da multinacional, com milhares de hectares plantados, passa a ser considerado um empreendedor, o paciente, com suas três plantinhas, continua sendo tratado como traficante. Complicado, né? Entendo que o legislador quis tornar a proposta mais palatável aos olhos e aos votos conservadores do Congresso, mas, da maneira que está, o PL 399 ignora a própria natureza da cannabis.

Não são poucas as evidências de que o produto artesanal é tão eficaz quanto o industrial. Isso não acontece com outros fármacos. Ninguém consegue produzir antivirais para combater o HIV em casa, por exemplo. Mas, para a cannabis, as extrações caseiras beneficiam um contingente considerável de pessoas, com resultados clínicos bastante satisfatórios, pouquíssimos efeitos colaterais e custos relativamente baixos. Ignorar essa realidade é manter a lógica das resoluções mais recentes da Anvisa, que privilegiam a indústria e o poder econômico. Se o sujeito prefere tomar suco de maracujá em vez de comprar o calmante na farmácia, não cabe ao Estado impedi-lo.

É inegável que o avanço das legislações relativas à cannabis se deu pouco a pouco ao redor do mundo. Também é compreensível que, no Brasil, diante de nossa realidade política e social, se deseje dar um passo de cada vez, tomando o cuidado para não ofender certos segmentos que insistem na dinâmica falida da guerra às drogas e do proibicionismo. O risco, no entanto, é que, ao dar peso excessivo aos argumentos dos adversários, em nome de uma tramitação mais segura do projeto, termine-se por lhes dar uma razão que definitivamente não têm.

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