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Por Leandro Narloch
Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia
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Por que as ditaduras duram tanto?

Por Leandro Narloch
Atualizado em 31 jul 2020, 02h25 - Publicado em 23 dez 2014, 09h30

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Os líderes da Coreia do Norte parecem ter saído de um filme de comédia ou ficção científica, mesmo assim estão tranquilos no poder do país há 66 anos. Em Cuba, não há perspectiva de democracia mesmo se houver reformas econômicas e fim do embargo. Por que ditaduras, mesmo as mais patéticas e improducentes, são tão duradouras?

A resposta mais comum mira na capacidade do ditador de aterrorizar dissidentes ou ameaçá-los com retaliações econômicas. Norte-coreanos suspeitos de conspiração são logo executados; opositores cubanos perdem privilégios (como o emprego na universidade ou a vaga num ponto de táxi) e ganham cargos insalubres no interior do país.

Um artigo da última edição do Journal of Public Choice dá mais uma explicação – e uma explicação curiosa. Revoluções contra regimes tiranos são raras por causa do problema de ação coletiva, o mesmo fenômeno que facilita a pesca excessiva nos oceanos ou que leva moradores de condomínios com conta coletiva de água a gastarem mais.

O problema clássico da ação coletiva consiste no seguinte: diante de bens coletivos, as pessoas nem sempre agem individualmente como seria melhor para elas coletivamente.

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Para os pescadores, é melhor que todos deixem de pescar durante a desova, de modo que o bem público (os cardumes) seja preservado. Individualmente, porém, é mais vantajoso pescar a qualquer hora contanto que os demais não pesquem no período de desova. Se a maior parte dos pescadores cooperar, os cardumes serão preservados também para o Gerson que pescou quando não deveria.

Do mesmo modo, para evitar sustos na conta de água do condomínio, é bom que a maior parte dos moradores economize. No entanto, se um morador passar uma hora no banho enquanto os outros se limitarem a 5 minutos, no fim do mês ele pagará a mesma parcela da conta de água que os vizinhos.

Os bens públicos costumam ser “não excludentes” – o benefício que eles fornecem é dividido entre todos os cidadãos, inclusive aqueles que não contribuíram. Por isso há pouco incentivo para cada indivíduo cooperar. Sem garantia da participação dos outros, pouca gente coopera. O resultado é a “tragédia dos comuns”. Todos pescam demais, e os peixes acabam. Todos gastam muita água, e os dígitos proliferam na conta do condomínio.

A revolução contra uma ditadura também é um bem público – e sofre do mesmo problema. Coletivamente, seria melhor se todos os cidadãos sob um regime opressor se revoltassem. Individualmente, porém, é mais vantajoso ficar em casa assistindo Sessão da Tarde enquanto os outros cidadãos arriscam a vida no movimento rebelde.

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Se a revolução fracassar, quem ficou em casa não correu o risco de vida ou de retaliação econômica. Se a revolução for vitoriosa, o benefício que ela trouxer será dividido entre todos os cidadãos – inclusive aqueles que permaneceram no sofá. Como um incentivo desses, ninguém se revolta. O bem público – a revolução – desaparece. E a ditadura continua.

Para o economista alemão Thomas Apolte, autor do estudo, a tirania, a miséria ou a desigualdade social de um país não são incentivos suficientes para a queda de ditaduras. “É a estrutura dos mecanismos de comprometimento que é decisiva para explicar revoluções”, diz ele.

A análise das revoluções a partir da teoria dos jogos não é nova. Num artigo de 1971, Gordon Tullock, um dos grandes economistas do último século, chegou a afirmar que boa parte da literatura sobre revoluções precisa ser revista. Historiadores e jornalistas que escreveram sobre o assunto, diz ele, se concentraram demais na situação de um país antes da queda do regime. Mas isso, para Tullock, é pouco relevante se comparado ao balanço entre recompensas e castigos privados dos potenciais revolucionários. “Revolução é assunto de uma literatura elaborada e volumosa e, se eu estiver certo, toda essa literatura está errada”, diz ele.

Uma vítima fácil da teoria dos jogos é a ideia marxista de luta de classes. Ao acreditar que grupos ou classes agem como indivíduos, Marx caiu na falácia de composição – o erro de acreditar que o todo tem a mesma propriedade que a parte. Para a tristeza de cubanos e norte-coreanos, indivíduos nem sempre agem como seria bom para o grupo ao qual pertencem.

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