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Caçador de Mitos

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Uma visão politicamente incorreta da história, ciência e economia

Minha querida estatal

Estatais têm benefícios aparentes e custos dispersos e ocultos; a privatização torna esses custos visíveis. Talvez seja por isso que, mesmo depois de tantos casos de corrupção, ineficiência e prejuízo das estatais, 61% dos brasileiros são contra privatizações

Por Leandro Narloch
Atualizado em 4 jun 2024, 21h59 - Publicado em 28 jul 2016, 13h02

Cem pessoas sentam-se em um círculo, cada uma com seu bolso cheio de centavos. Um político caminha por fora do círculo, pegando um centavo de cada pessoa. Ninguém se importa; quem se importa com centavos? Quando o político dá toda a volta em torno do círculo, joga 50 centavos para uma pessoa, que se sente cheia de alegria com a sorte inesperada. O processo é repetido, terminando com outra pessoa. Após cem voltas, todos estão 100 centavos mais pobres, 50 centavos mais ricos e felizes.

Essa história, criada por David Friedman, explica por que os brasileiros torcem o nariz para privatizações. Se alguém perguntasse aos participantes do jogo se eles defenderiam o fim do sorteio dos 50 centavos, muitos diriam que não, claro que não. Seria injusto acabar com o jogo que deixa tanta gente feliz.

Entrar numa universidade pública é como ganhar a moeda de 50 centavos de David Friedman. O curso de um aluno na Unicamp, segundo os cálculos de Felippe Hermes, pode custar 79 anos de impostos de um trabalhador que ganha salário mínimo. Mas ninguém vê esse custo – ele é disperso entre todos, enquanto a universidade gratuita é concreta, grandiosa e sem mensalidade. É claro que, se um jornal sugerir a venda das universidades, como fez O Globo esta semana, as pessoas reagirão com histeria.

Uma enquete do Instituto Paraná Pesquisas, divulgada esta semana, mostrou que 61% dos brasileiros não querem que o governo Temer privatize os Correios, os bancos públicos ou a Petrobras.

Estatais (e o serviço público em geral) têm benefícios concentrados e aparentes, enquanto os custos são ocultos e dispersos entre os cidadãos. Você não sente pagar, mas sabe muito bem quando está recebendo alguma coisa que parece de graça. Por que ser a favor de empresas privadas se elas raramente dão coisas gratuitamente?

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Trens e aviões

Uma reportagem do Jornal do Commercio afirmou semanas atrás que a malha de trens de passageiros no Nordeste sofreu desmonte depois que as ferrovias foram privatizadas.

Eu tive uma impressão parecida quando a RFFSA foi privatizada no Paraná. Na época da “rede” estatal, pagávamos uma ninharia para descer a Serra de trem até Paranaguá; depois da venda, o preço explodiu. Maldita privatização!

A mesma reação tiveram os espanhóis diante da privatização da Iberia, a empresa de aviação. “Quando era estatal, era uma delícia”, me contou uma amiga espanhola tempos atrás. “Custava pouco e tinha espumante liberado pra todo mundo.” Depois da privatização, fim da mordomia.

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O que eu, os universitários, minha amiga espanhola e os passageiros de trens do Nordeste não percebíamos é o custo do serviço público. Todos pagávamos para manter linhas de trem deficitárias, obras superfaturas, universidades em greve e trens e aviões sucateados. Mas esse custo chegava em forma de impostos, dívida pública e inflação. Os serviços “grátis” criaram a hiperinflação dos anos 1980, tornaram nossos pais incapazes de pagar a faculdade dos filhos, mas era difícil relacionar a ferrovia estatal ou a universidade pública à crise do país.

A privatização ajudou a diminuir o rombo das contas públicas e assim possibilitou o fim da inflação. Mas tornou aparentes custos que antes eram invisíveis, enquanto a carga tributária só aumentou. Não é à toa que tantos brasileiros ainda hoje rejeitam vender as estatais.

@lnarloch

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