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Por Coluna
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“Perplexidade” e outras notas

Por enquanto, insistimos em reembalar o passado mudando o laço de primitivismo ora para a esquerda, ora para a direita

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 19h54 - Publicado em 15 mar 2019, 20h55

Valentina de Botas

Como todo pai e toda mãe, só acho que minha filha está segura se eu estiver por perto: pai e mãe se reconhecem no autoengano da onipotência. Meu coração está com os pais e mães dos jovens assassinados em Suzano. Também está com os pais e mães dos assassinos (sou assim, não há o que fazer). Talvez se atormentem para sempre com essa perversa ilusão de onipotência. Abraço também as famílias dos outros mortos, um deles tio de um dos assassinos, me parece. O debate é inevitável e necessário, mas acho um alívio, nessa hora de perplexidade, não ser uma figura pública num tempo em que tudo é permeado pelo extremo da burrice que assola o país, a sensatez foi abolida e o debate começa dominado pelos simplismos canalhas entre liberar arma geral e reprimir geral. Ao primeiro grupo que só pensa em armas e não em pessoas, eu diria que não se preocupe, pois as armas foram resgatadas e passam bem; ao segundo, eu diria que acorde para a realidade bruta imune à música “Imagine” e que um desequilibrado sempre dará um jeito de infiltrar a perplexidade no nosso “mundo equilibrado” (a dupla assassina de Suzano chegou a usar um machado!); a ambos os grupos eu diria que tentem se envergonhar.

 

O jardim das aberrações

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Olavo de Carvalho, que está fazendo muito mal à direita brasileira, carrega um ressentimento incurável contra a academia/universidade, em que ele não é nem nunca foi respeitado pela esquerda ou pela direita. Se ele deveria ser ou não levado a sério no grau em que sempre sonhou, eu não sei. O que sei é que ele resolveu que chegou a hora do que chama de “uma casta espiritual-intelectual”, formada no seu Curso Online de Filosofia (o COF), influenciar os rumos do país. Muito inteligente, mas não tanto que possa perceber a falácia que habita o núcleo de suas concepções (estão contaminadas pelo que destrói um filósofo: o desejo de ser elogiado, temido e amado, em vez de discutido; quem ousa sair do primeiro grupo para o segundo é enxovalhado em praça pública, como Olavo fez com ex-alunos que o criticaram respeitosamente e agora faz com Vélez-Rodriguez), ele toma a porção letal de veneno e corrompe a si e a seu legado pelo poder que alcançou com a eleição de Bolsonaro.

Aproveitando-se da influência que tem sobre um Eduardo Bolsonaro de raquíticos pensamentosinhos, cavou e comanda uma trincheira aberrante no governo gerenciada por Ernesto Araújo (um delirante, dilmista até outro dia) e Vélez-Rodrigues (um intelectual respeitado até outro dia). Tudo sob a indiferença do presidente da República que praticamente prevarica ao permitir que Olavo transforme o MEC numa rinha vulgar, em que as necessidades dramáticas do ensino brasileiro nem sequer são lembradas. Contrariado com o Ministro da Educação ─ que cada vez tem menos do meu respeito porque, mesmo dono de uma trajetória própria e relativamente respeitada, se submete ao pedágio ideológico-sabujo do olavistão ─, Olavo não se importa em paralisar o MEC com disputas ideológicas num governo eleito também pela promessa de desideologização de sua eventual gestão. As disputas envolvem vaidade intelectual, manipulação de uma populista Lava Jato da Educação (sem objeto ou fato determinado) e gordos contratos do MEC com editoras de ex-alunos de Olavo empresários do ramo editorial. O Brasil não merecia isso e a educação brasileira em coma poderia ficar sem uma safadeza dessas parida pelo ressentimento totalizador de um ex-filósofo que, no debate público, prefere o insulto num linguajar de cortiço à dialética.

Marielle, Dilma e Bolsonaro: e o futuro?

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Dilma Rousseff, quando presidente, costumava invocar o passado de torturada pela ditadura militar ─ regime que a ex-presidente lutou para trocar por outra ditadura ─, numa recorrência que desrespeitava a si mesma na banalização de uma vivência tão absoluta. Nunca ocorreu à pior presidente do país ─ qualquer país ─ que sofrer tortura integra sua biografia, mas não é currículo, nem foi seu mérito ser torturada, mas demérito de agentes do Estado que agiam à margem da lei a serviço de um regime que, como toda ditadura, se perpetuou pela brutalidade e pela mentira. Dilma fazia isso também para manter a clivagem canalha dos brasileiros entre nós e eles, sugerindo que cada brasileiro, nascido ou não à época, que votava nos adversários do PT ou criticava o governo, trazia a marca da culpa por seus suplícios. A clivagem que Lula inaugurara tinha base social, o nós e eles dele se dava entre as elites (que não gostavam dele enquanto o mimavam) e os pobres (de quem ele era pai). Dilma deu à infâmia a continuação possível.

Nesta segunda-feira, a Polícia Civil do Rio de Janeiro, num trabalho técnico aparentemente bem-feito, apesar de um tanto lento, apresentou os dois executores da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes: os ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz. A segunda etapa das investigações procurará os mandantes, uma hipótese realista. Enquanto  o Psol e simpatizantes de Marielle a promovem à heroína, como se ser assassinada fosse um mérito ─ numa versão do que Dilma fazia com seu passado de torturada ─, o presidente Bolsonaro declarou que gostaria de saber quem mandou matá-lo. Ora, segundo a Polícia Federal trabalhando sob o ministro Sergio Moro, foram as vozes na cabeça doida de Adélio Bispo. Ou Bolsonaro confia no seu ministro e encerra o assunto de uma vez por todas ou deveria demitir Moro.

Quando recorre gratuitamente ao atentado que sofreu, o presidente vulgariza tudo o que sofreu e participa do mesmo exercício nefasto de Dilma para atar o país a um passado já resolvido na sua dimensão possível. Isso revolve o ambiente, impede o armistício de que o país depende para tocar a vida com aquele elemento indispensável a países civilizados: a normalidade, o tédio, essa substância que permite a uma nação colocar a si no centro dos acontecimentos, contemplar-se e projetar o que oferecerá às próximas gerações. Por enquanto, insistimos em reembalar o passado mudando o laço de primitivismo ora para a esquerda, ora para a direita. O país, em sua maioria ampla, não torturou Dilma e repudia quem o fez e quem aplaude essa barbárie; não matou Marielle e Anderson e condena esse horror; não atentou contra a vida de Bolsonaro, prestou-lhe solidariedade e considera abominável o ato de Adélio. Que tal falar desse e a esse país?

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