O São Sebastião de retrato e um Juruna sem cérebro
As proezas do procurador Rodrigo Janot e do bandido Joesley Batista parecem coisa de cinema, mas aconteceram no Brasil real
Extasiado com o papel de arqueiro-principal da República, Rodrigo Janot nem esperou que Joesley Batista provasse o que dissera para, escorado no primeiro lote de denúncias do dono da JBS, alvejar o Palácio do Planalto com uma chuva de flechas envenenadas. Só nesta terça-feira descobriu que, além do inimigo prioritário, acertou o próprio corpo — e com tamanha intensidade que ficou parecido com um São Sebastião de retrato.
Nos últimos dias do mandato, o procurador-geral Rodrigo Janot transformou-se de vez na versão brasileira ─ e piorada ─ de um célebre personagem do cinema: o Inspetor Clouseau, da série A Pantera Cor de Rosa. Até o detetive trapalhão interpretado pelo ator inglês Peter Sellers teria descoberto, aos cinco minutos do depoimento inaugural, que o empresário bandido estava escondendo as informações mais importantes.
Embora Janot rime com Clouseau, a cópia é bem mais desastrada e muito menos divertida que o original. Maluquices cinematográficas só produzem consequências na tela. O Brasil anda parecido com faroestes de quinta categoria, mas é real. A turma no saloon ficou um pouco mais assustadora depois dos assombros materializados pela dupla Janot-Joesley. Agindo em invejável sintonia, eles pariram, entre outros espantos, a meia delação premiadíssima.
Tal obscenidade será abortada pela façanha inverossímil incluída no segundo capítulo da delação do açougueiro predileto de Lula. Sem intimidade com o gravador que registraria encontros de alta periculosidade com figuras na mira de Janot, deixou o aparelho ligado enquanto conversava horas a fio com um comparsa. O conteúdo do diálogo vai substituir o habeas corpus vitalício por uma pedagógica temporada na cadeia. E já o transformou numa caricatura idiotizada de Mario Juruna, o cacique que enquanto foi deputado federal gravou todas as conversas com autoridades que lhe apareciam pela proa.
Joesley é a prova mais contundente de que, no Brasil de Lula e Dilma, não era preciso ter visão empresarial (eventualmente, nem mesmo cérebro) para virar bilionário. Bastava ter a bênção do chefão e o segredo do cofre do BNDES.