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Augusto Nunes

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Marcos Troyjo: Choque de globalizações

Fenômenos como o "brexit" e a eleição de Trump não representam o fim da globalização, mas perda de velocidade e redefinição de rumos

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h40 - Publicado em 18 nov 2017, 23h29

Com a crise de 2008 e a turbulência gerada pelo potencial calote das dívidas soberanas na Europa em 2011, o processo de globalização deu um “cavalo-de-pau”.

Durante longo período da história recente — que se inicia em 1989, pelo desmantelamento do Muro de Berlim e se conclui na Grande Recessão em 2008 — vivemos época de muita fé no livre mercado e no livre-comércio como principais critérios para a geração de prosperidade.

Predominava a ideia de que a democracia representativa se encontrava em expansão e de que a tecnologia encurtava distâncias. A integração regional econômica, política e jurídica era vista como escala numa viagem em direção a um mundo menos nacionalista e mais globalizado.

O exemplo fornecido pela União Europeia era bastante claro. A integração não se dava apenas no âmbito da economia com o euro, a partir de 1999, como moeda única —, mas também com políticas agrícola e externa comuns e com a criação de Tribunal e Parlamento europeus.

Outras regiões do mundo pareciam querer clonar essa experiência, como é o caso do Mercosul. Todos esses processos compunham quadro de “globalização profunda”.

Ocorreu, no entanto, uma mudança de sinais — uma “desglobalização” acentuada por fenômenos como o “brexit” e a eleição de Trump. Temos de entender esse processo não como o fim da globalização, mas perda de velocidade e redefinição de rumos. Trata-se de desaceleração, o que não significa necessariamente que o veículo parou de mover-se.

Tal desglobalização apresenta traços marcantes. De 2008 para cá, o comércio internacional, um dos grandes propulsores da riqueza desde o final da Segunda Guerra, está se expandindo em proporção inferior à do PIB mundial.

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A economia global cresce mais do que o comércio, coisa rara nesses últimos 70 anos. O comércio foi trampolim para a mudança de status de países como China, Chile, Coreia do Sul, ou Japão e Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial.

Nesse quadro, com o comércio em baixa, a expansão das economias passa a ser buscada de outras maneiras. Adotam-se mais medidas protecionistas, além de um redirecionamento de estratégias, como a decisão da China de se tornar menos dependente das exportações e mais do mercado interno, no papel de mola do crescimento. Isso se faz porque os chineses estão encontrando mais resistência à absorção dos seus produtos.

O modelo chinês foi bastante claro; eles ganharam acesso privilegiado aos grandes mercados compradores do mundo, no fim dos anos 1970, como parte de acordos que fizeram com os EUA. A China recebeu o status de nação mais favorecida em suas exportações, primeiro para os Estados Unidos e logo para a Europa.

Como os custos de produção na China eram muito baixos, o país se tornou bomba de sucção de investimentos estrangeiros diretos. As empresas montavam manufaturas na China não para buscar o mercado local, mas para transformar o país numa gigantesca plataforma de exportações. Eis o segredo do crescimento chinês até há pouco.

Foram então os efeitos dessa dupla crise que puseram em xeque esse modelo exitoso chinês? Tem-se a impressão de que, se não tivessem ocorrido 2008 e 2011, os chineses continuariam na batida de manter elevado superávit comercial, robustez das exportações como colchão para a formação de poupança e investimento.

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O que os faz mudar qualitativamente a estratégia de crescimento, com um pouco mais de uso do mercado interno, é também o fato de que, com a crise, os países de destino se tornaram menos receptivos às exportações chinesas. A China é levada a aumentar a remuneração do fator trabalho —a fatia que os salários ocupam no PIB —, para que o consumo interno também se torne veículo importante do crescimento.

Há, porém, outros fatores em jogo nesses processos desglobalizantes. Do lado das características econômicas: restrições a investimentos, mais políticas de conteúdo local — não só de países tradicionalmente protecionistas como Brasil ou Argentina, mas também dos Estados Unidos, China e Europa.

E há, ainda, os aspectos culturais e políticos: grande reação à imigração e às sociedades multiétnicas, o que acabou desembocando não só na vitória de Trump e no “brexit”, mas também no aumento da intolerância em diferentes partes do mundo.

Já se podem, contudo, identificar sinais de reação a esse fechamento. Um deles aposta na compreensão de que o período Trump é uma exceção, algo bizarro.

É do interesse das empresas norte-americanas manter presença global marcante. Não é improvável que os Estados Unidos voltem a liderar dinâmicas globalizantes daqui a três anos e meio. Outro sinal são as próprias características de expansão do atual momento da China.

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Assim, uma nova arquitetura impulsionada pelos EUA e a extroversão chinesa vão marcar esse novo período da economia mundial, que será a reglobalização. Isso já começa a acontecer.

Não é que trilharemos uma volta à globalização profunda nos próximos anos; mas países como o Brasil devem se preparar não para o cenário protecionista, fechado, e sim para a reglobalização, tendo em mente os riscos e as oportunidades que ela oferece, e que será mais ou menos contemporânea ao fim do mandato de Trump.

Ora, em que essa retomada seria diferente do primeiro impulso de globalização profunda, aquele que se seguiu à Guerra Fria? Um dos traços da reglobalização será a volta ao que foi o espírito da Parceria Transpacífico, a famosa TPP.

Ao contrário de acordos comerciais e de investimentos anteriores, que se centraram nos temas de tarifas, alíquotas e cotas, a TPP é um acordo sobre padrões, “standards”. Ele diz: nós, signatários deste texto, topamos jogar pelas mesmas regras quando o tema é legislação trabalhista — um padrão único é estabelecido e os países têm de se adaptar a ele.

Também aceitamos jogar as mesmas regras do jogo na legislação ambiental e com respeito à propriedade intelectual; ou ainda como utilizar compras governamentais sob a forma de instrumento de política industrial. É no estabelecimento desses padrões que está o futuro da reglobalização — que deverá ter como sócios, sim, os EUA pós-Trump.

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Isso faz sentido. Uma das maneiras de combater a hipercompetitividade chinesa é ganhar escala; é países se unirem em áreas nas quais a China apresenta dificuldades.

Para Pequim, é difícil associar-se a tratados cujos pilares são leis trabalhistas e ambientais, delimitações de compras governamentais e respeito à propriedade intelectual, que os chineses notoriamente desrespeitaram — aliás, muita gente acha que o TPP nada mais é do que instrumento geopolítico para arrefecer a ascensão da China.

A multiplicação desse tipo de acordo sobre padrões será um dos pilares da reglobalização. É algo que não estava presente no modelo anterior de globalização profunda.

A China, de toda forma, terá um papel mais forte nesse “Choque de Globalizações”. Ele com iniciativas como o projeto One Belt One Road. Até há pouco, a China era um gigante comercial e ator pouco relevante em outras áreas econômicas como investimentos, financiamento do desenvolvimento e o estabelecimento de instituições multilaterais.

Tudo isso está mudando. A China está reequilibrando o seu perfil externo. Continua como principal nação comerciante no mundo, mas se tornou origem importante de investimentos estrangeiros diretos e, além disso, passou a ser uma financiadora do desenvolvimento.

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Hoje, o banco de desenvolvimento chinês tem mais que o dobro de capitais alocados em países para projetos de infraestrutura do que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento juntos.

Se examinarmos os passivos de países latino-americanos, como Equador e Venezuela, eles têm grandes contas a pagar para a Pequim. Ou seja, a China, hoje, não é só plataforma de exportações, mas grande fornecedora de liquidez ao mundo.

Nesse “Choque de Globalizações”, há algumas janelas de oportunidade para o Brasil. Não serão puxadas, como em outras experiências brasileiras de internacionalização, por empresas de construção civil.

Estas encontram-se em período de retração, corolário de tentativas de internacionalização forçada, oriunda do experimento de Capitalismo de Estado brasileiro de 2003 a 2015, o que fortaleceu os notórios ecossistemas pró-corrupção. Na construção civil, o Brasil não apenas perdeu negócios, mas reputação.

Para além do mau momento a superar, há aberturas em áreas onde o Brasil dispõe de vantagens comparativas, como alimentos, commodities agrícolas e matérias-primas minerais. Muito disso potencialmente se direcionará à nova e robusta fase de crescimento do Sudeste Asiático.

Um dos efeitos colaterais da expansão da China é a migração de parte importante do PIB industrial chinês para países da sua região. A manufatura cresce na Indonésia, Vietnã, Índia, e isso eleva a renda per capita na vizinhança geoeconômica chinesa.

Quando o PIB cresce a partir de base bem baixa — como US$ 3 mil de renda per capita — em expansão de 5% ou 6% ao ano por uma década e meia, a renda incremental vai para mais ingestão de calorias e dispêndio em infraestrutura. Isso representa forte vento de cauda para as exportações brasileiras.

O Brasil terá muita dificuldade de competir em custo nessa fase de transição entre globalizações. As reformas são absolutamente inadiáveis para o país tornar-se mais ágil e menos custoso.

Dentre elas cabe a reforma da política comercial externa, área onde o país, pela inoperância na conclusão de tratados relevantes, é retardatário. Fora isso, é o momento de utilizar o cenário internacional para fazer caixa com exportações nos setores tradicionais e tirar vantagem dessa grande liquidez que há no mundo para turbinar a infraestrutura no Brasil.

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