“Futuro nostálgico, passado incessante” e outras notas
No fim de maio, a nação que anseia pelo futuro foi buscar a trilha para ele no século passado: no estatismo complexado de desenvolvimentismo
Valentina de Botas
Cansado desse-governo-que-está-aí e cansado de pagar por gasolina cara? Pois isso mudou: agora você pagará pela gasolina e mais um monte de coisa ainda mais cara e o governo, que acabaria em 2019, acabou no fim de maio, mas só termina em 2019. Que tal? Os caminhoneiros passam por muitas agruras. Só eles? Não no país destruído por quase 14 anos de petismo e que há dois tentava se refazer. Os dois anos se perderam em 10 dias de uma paralisação criminosa. As perdas foram de todo tipo, inclusive de conceitos com a regressão aos anos 50 para revisitar um nacionalismo rombudo e nefasto, além de um passeio idealizado através de nossos anos de chumbo no fetiche saudosista dos que clamam aos militares um jeito nisso-tudo-que-está aí. Assim como o povo não compareceu à revolta popular anunciada pelo PT com a prisão de Lula, os militares preferem não participar da intervenção militar pela qual a direita stalinista lateja e a ela só restou tomar Brasília pelo Twitter. Esta seita da direita-verdadeira carrega a convicção truculenta resultante da cópula entre a ignorância e a idealização, escreve “ditadura” entre aspas e acha que só foi preso, torturado ou assassinado quem mereceu. Igual na Venezuela. Lá, dizem os amigos que Maduro tem aqui, só está preso ou morto quem mereceu.
Nos últimos dias de maio, a nação que anseia pelo futuro foi buscar a trilha para ele no século passado: no estatismo complexado de desenvolvimentismo e anticapitalista embalado no getulismo que parece incurável. Nessa trilha do atraso, grande parte dos eleitores que buscam o novo, dizem as pesquisas, votará em Jair Bolsonaro que está há quase 30 anos na política, adepto do velho filhotismo politiqueiro, sedimentando uma carreira de sindicalista-estatista arcaico no pouco que consegue alcançar dos nossos problemas, e arcaizante nas escassas ideias que apresenta.
Galinha a favor da canja
Não há causa que justifique uma categoria abusar do poder de parar o país. Quem apoiou o locaute viu nele um protesto contra o governo e considerou a paralisação criminosa um ato patriótico ou algo assim. É a galinha a favor da canja: o caráter patriótico se desfaz nas concessões para apenas uma categoria que torram o dinheiro inexistente de toda a sociedade; o barateamento do diesel à canetada, em vez de resultar de estudada reestruturação tributária (que não se faz em alguns dias), degenera num subsídio que sai da nossa grana, fato que qualquer pessoa com o ensino médio completo deveria considerar. Não é da grana do “vampiro de Brasília”, é da nossa; não existe o dinheiro público e governos não têm dinheiro, ele pertence à sociedade e ela o transfere para os cofres públicos via impostos. Um movimento patriótico deveria cobrar dos candidatos à presidência o compromisso de o eleito fazer a reforma tributária e a da previdência, são elas que levarão ao enxugamento do Estado e das respectivas despesas e, portanto, dos impostos, além de desidratarem a corrupção; por isso também deveriam ter o apoio do MPF e do Judiciário. Porém, o ministro Edson Fachin já acenou com a intenção de cassar do Legislativo sua prerrogativa de legislar e promete restaurar a cobrança do imposto sindical obrigatório. Ele, juntamente com Barroso, é o herói da direita stalinista. Nosso primitivismo é uma obra em aberto…
Crise de sinapses e esperanças
Na metástase do oportunismo nacional, de empresários que fazem qualquer malandragem para arrancar um subsídio, ao cidadão que quer gasolina barata, mas não a reforma do Estado, todos querem o Estado-pai, o Estado-mãe, o Estado-irmão, o Estado-padrinho. O mesmo Estado que, deformado por um verdadeiro aleijão no excesso de funcionários e outros desvios, ausenta-se onde é essencial. Esclareçam, senhores candidatos ditos liberais que apoiaram tal deformidade: que diabos de capitalismo é este? E onde mais no mundo há liberais que incentivam a depredação do aparato legal e da ordem?
O pior não é constatar o florescimento de canalhices e equívocos que sufocam a sensatez e a decência ─ um governo enfraquecido ainda mais pela sabotagem incessante; urubus à esquerda e à direita em busca de votos que, festejando um crime ou se omitindo, deram a medida da nossa dramática falta de líderes já que estes, os verdadeiros, não dizem o que os eventuais liderados querem ouvir, mas o que é correto; empresários chantageando uma nação inteira e grande parte dela aplaudindo; e representantes da lei como os procuradores do MPF que, tão indecorosamente tagarelas nas redes sociais, ficaram em torpe silêncio naqueles dias em que o Estado de direito, a ordem, o cotidiano e a vida privada dos brasileiros foram sequestrados, porque o quanto-pior-melhor satisfaz sua agenda política que superou a policial. O pior é a morte na semente de um pensamentosinho liberal no país.
A semente breve, entre o impeachment de Dilma e o triunfo do nosso voluntariado para a cretinice, encruou com o definhamento da política como via institucional para encaminhar democraticamente as demandas da sociedade frente à disseminação do quem-berra-mais-chora-menos. Isso é ditadura de massa numa catarse que comprova que nossa crise é política, institucional, econômica e moral, mas é, sobretudo, de sinapses. O que esmaga esperanças.
E se fosse Aécio, e não Lula, que Bretas declarasse tal vassalagem?
Pensando que quem nasce Bretas pode chegar a ser Moro, o juiz carioca tentou aparecer usando Lula como escada. Levou um olé do delinquente que o fez de caixotinho no qual subiu para um comício em drágeas. Ao juiz restou o vexame da homenagem descabida que expulsou o decoro, infecção que acomete outros juízes e membros do MPF. A seguir, as reações possíveis se Aécio estivesse no lugar de Lula:
– Deltan Dallagnol, Rodrigo Janot e Carlos Fernando arrancariam a calça pela cabeça na redessociolândia e na imprensa. Falariam tanto e todo dia, que os mais xucros aprenderiam o ódio ao juiz e passariam a filmá-lo enquanto o xingassem em restaurantes, aviões, etc. O MPF culparia Temer.
– Associações de juízes pela-cidadania-blablablá publicariam manifestos. Culpariam Gilmar Mendes.
– Cármen Lúcia seria entrevistada no Fantástico depois de pedir que um dos 526 assistentes separassem frases do Facebook para ela recitar sua indignação sonhática. Culparia a falta de amor, de olharmos uns nos olhos dos outros, de abraçarmos árvores e de cantarmos Imagine.
– O ministro Barroso declararia no Jornal Nacional, erguendo a sobrancelha esquerda meticulosamente aparada, que nossa democracia não pode mais conviver com julgamentos de acordo com o Direito achado na lei, é preciso adotar o Direito achado no Leblon. Lembrando como o Leblon é lindo, aproveitaria para mudar a Constituição incluindo um artigo a respeito. Culparia o impeachment de Dilma e o grupo que tomou o poder.
Clareia-se a razão mais profunda das declarações tão raivosas de Bretas contra decisões de juízes não alinhados com o PT e sua briga pessoal com um deles: Bretas trocou de roupa em público. Que morte horrível, excelência companheira.
Maria Dolores: Tia Lola
Uma das pessoas mais lindas e doces do mundo. Nascida e criada no agreste pernambucano, mora em São Paulo há mais de 50 sem perder o hábito natural entre os parentes de Pernambuco de aparecer sem avisar. Jamais reclamei, porque nunca sabemos qual o “defeito” que podemos corrigir em nós mesmos sem desorganizar o centro do que somos, imagine fazer isso com quem amamos. Acho que é um jeito de estar no mundo, de ver a vida como quem, aos 80 anos, ainda se surpreende. Um jeito de não morrer. E ela faz isso de modo adorável: telefona e diz que “passei aí pra dar um cheiro em tu mais em tua menina, mas tinha ninguém em casa não”. “Ah, tia Lola, nós fomos ao dentista, mas por que não avisou que vinha?”. “Sim, meu amô, estou avisando”. Ela avisa, só que depois. “Venha amanhã, faço questão de tê-la para um refresco ou um chá. A senhora pode?”. “Sim, aproveito para ver tua prima Duda, Duda de Bilinha, aí perto, que teve menino por esses dias e botou nele o nome de papai. Vou levar o diário dele e de mamãe sobre os filhos pra Duda ver o que foi que eles escreveram sobre Bilinha, que nasceu tão miúda, a bichinha, mas nes’tante já estava era grande que ninguém dizia daquele comecinho de vida aperreado, visse?”. “Verdade, mas que bom, titia, amanhã então?”. “Sim, meu amô; olhe, se eu for, eu aviso”. Pois é, ela vem e avisa. Nessa ordem.