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A tragédia longe dos holofotes

Branca Nunes Um mês depois da tragédia que devastou a região serrana do Rio de Janeiro, as feridas continuam abertas – e demorarão muito tempo para desaparecer. Amainado o fervor dos voluntários, interrompido o fluxo das doações às toneladas, as vítimas dos deslizamentos dependem quase que integralmente dos próprios recursos ou da ajuda dos vizinhos. […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 12h47 - Publicado em 19 fev 2011, 11h36

Onde antes existiam casas, pedregulhos hoje dominam a paisagem do bairro de Campo Grande, em Teresópolis (Foto: Branca Nunes)

Branca Nunes

Um mês depois da tragédia que devastou a região serrana do Rio de Janeiro, as feridas continuam abertas – e demorarão muito tempo para desaparecer. Amainado o fervor dos voluntários, interrompido o fluxo das doações às toneladas, as vítimas dos deslizamentos dependem quase que integralmente dos próprios recursos ou da ajuda dos vizinhos. Nada foi resolvido. A segunda etapa do trabalho, tão penosa e problemática quanto a primeira, começa agora, justamente no momento em que os horrores da catástrofe já não estão no centro das atenções do país.

Na teoria, boa parte do dinheiro dos governos federal, estadual e municipais já foi liberada. Na prática, nenhum centavo chegou ao bolso de um morador da região. Na teoria, todos estão bem alimentados com cestas básicas. Na prática, muitos não têm água para cozinhar o que ganharam. Na teoria, o cadastramento para o aluguel social está quase totalmente concluído. Na prática, não há casas para todos. Na teoria, um terreno foi desapropriado para a construção de 2.500 moradias. Na prática, um empreendimento dessa magnitude demorará no mínimo um ano para ser erguido. Na teoria, os mortos estão quase todos sepultados. Na prática, corpos são retirados diariamente do meio da lama e enviados a IMLs improvisados para serem submetidos a testes de DNA – única forma de identificá-los 30 dias depois da tragédia.

Só no domingo, 6 de fevereiro, 14 foram enterrados no cemitério de Teresópolis. Mais quatro nesta quarta-feira. Sepulturas abertas antecipadamente aguardam novos corpos e, como não há espaço para tantos jazigos perpétuos, quase duas centenas jazem em covas rasas identificadas com uma cruz e um número.

Covas continuam a ser abertas no cemitério de Teresópolis para receber as vítimas da chuva (Foto: Branca Nunes)

Embora as máquinas funcionem ininterruptamente – inclusive nos fins de semana – para remover lama e entulho, nos bairros da periferia, por causa da quantidade de barro, o chão ainda está dois metros acima do normal. O cheiro de podre é insuportável e as rochas que deslizaram morro abaixo deixaram para trás uma paisagem lunar, com pedregulhos e crateras no lugar das casas.

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No centro de Teresópolis e Nova Friburgo, as marcas do horror estão nas nuvens de poeira levantadas pelo atrito dos pneus dos carros com a terra entranhada no asfalto e nas línguas avermelhadas desenhadas no meio do verde dos morros por causa dos desmoronamentos.

Os desabrigados e desalojados se espalham por casas de parentes ou abrigos. Só em Teresópolis são 9.110 desalojados e 6.727 desabrigados. Alguns teimam em permanecer em locais que ameaçam desabar a qualquer segundo.

Nesta quinta-feira, a contagem assinalava 892 mortos – 423 em Nova Friburgo, 372 em Teresópolis, 71 em Petrópolis, 21 em Sumidouro, quatro em São José do Vale do Rio Preto e um em Bom Jardim. Oficialemente há 279 desaparecidos, mas esse número provavelmente está abaixo da realidade. Como algumas famílias desapareceram completamente, não há ninguém para reclamar os corpos.

Na igreja de Nova Friburgo, as marcas da madrugada de 12 de janeiro (Foto: Branca Nunes)

Todos sabem onde e com quem estavam naquela noite. Todos têm uma história para contar. Todas são tristes. Todos perderam alguém. Alguns perderam todos. “A primeira etapa foi a da coleta e distribuição de água e alimentos”, diz Herculano Abrahão, presidente da Cruz Vermelha em Teresópolis. “Agora chegou o momento de garantir a saúde física e mental às pessoas”. Mais do que doenças como a leptospirose, o lado psicológico é o que mais preocupa Abrahão. “Já tivemos quatro suicídios desde a tragédia e eu não tenho dúvidas de que haverá mais.”

Os danos psicológicos são brutais. Abrahão e outros voluntários da Cruz Vermelha jamais escutaram tantas crianças falando em se matar. Os adultos sofrem de insônia e depressão. Precisam, antes de mais nada, de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.

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É óbvio que as carências materiais também são imensas. Não de comida e de roupas – isso há até em excesso. Remessas de gás de cozinha, no entanto, ainda são muito bem-vindas. Também faltam móveis e eletrodomésticos para equipar as casas que serão alugadas quando chegar o dinheiro do aluguel social.

E faltam sobretudo empregos. Os três alicerces da economia da região serrana – agricultura, pequenas confecções e turismo –foram levados com a enxurrada. As lavouras estão destruídas, as fábricas fechadas e os turistas fugiram com medo de uma improvável reprise da tragédia. Enquanto os alicerces não forem reerguidos, não haverá empregos. Enquanto não houver empregos, não haverá esperança.

Com pouco mais de 150 mil habitantes, a economia de Teresópolis entre 2002 e 2007 representou 17,2% do Produto Interno Bruto (PIB) de toda a Região Serrana. No mesmo período, enquanto o PIB per capita dos municípios da região cresceu em média 53,12%, o de Teresópolis teve um aumento de 48,19%. Embora inferior à média, o índice é considerado bastante expressivo. No fim de janeiro, Jorge Mário, prefeito de Teresópolis, fez uma previsão pouco animadora. Ele acredita que a cidade levará dois anos para se reconstruir e se recuperar economicamente.

Leia também: A vida depois da tragédia

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