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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Os pitbulls do Facebook

Diversos tipos de espécies povoam a fauna das redes sociais. Há papagaios (os que repetem apenas o que ouvem por aí, sem critério), hienas (os que riem de qual for a situação), urubus (gostam de compartilhar notícias tristes, mesmo quando mentirosas)… porém, uma, em especial, tem se destacado nos últimos meses – o pitbull. Nada […]

Por Filipe Vilicic Atualizado em 30 jul 2020, 23h11 - Publicado em 23 mar 2016, 17h43
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Um convite: mais que compartilhar, curtir, se expressar de forma mais consciente e racional pelas redes sociais

Diversos tipos de espécies povoam a fauna das redes sociais. Há papagaios (os que repetem apenas o que ouvem por aí, sem critério), hienas (os que riem de qual for a situação), urubus (gostam de compartilhar notícias tristes, mesmo quando mentirosas)… porém, uma, em especial, tem se destacado nos últimos meses – o pitbull. Nada contra o animal, em si. Pelo contrário. No mundo real, é uma espécie fascinante – que ganhou má fama por como alguns donos agressivos os treinam. Dito isso, falemos do pitbull online.

No mundo virtual, ele baba de raiva, latindo contra tudo o que julga como errado – normalmente de forma primária (sem as informações corretas, ou ao menos verdadeiras, para tal). Sem exceção, posiciona-se em pontos extremos de uma discussão. E, não se engane, há pitbulls de ambos os lados. Como no debate Uber versus sindicatos de táxis, no qual apoiadores do aplicativo tendem a taxar todos os taxistas como agressivos e incompetentes, enquanto os que são contra defendem “quebrar tudo” para impedir com as próprias mãos uma suposta ilegalidade. Ou, no que está mais em voga, na briga entre quem apoia, e quem é contra, o atual governo federal (se preferir assim, na peleja entre petistas e opositores).

Ao olhar as discussões inflamadas e pouco produtivas, pergunto-me: por quê? O mais imediato é associar ao comportamento de manada. Ou, como um de meus autores preferidos da adolescência (parece mais difícil apreciá-lo quando adulto), Friedrich Nietzsche, descrevia: o instinto de manada. Em resumo, seria o “Maria vai com as outras”. Só que é bem mais complexo que isso.

Animais tendem a seguir um grupo maior como forma de proteção. Quando o predador corre atrás de um bando, as presas se amontoam e rumam na mesma direção por verem nessa tática a melhor chance de sobrevivência. Quando um ser humano com fome passa por uma rua e avista dois restaurantes, um vazio e um com uma mesa ocupada, ele costuma optar por se sentar no segundo, por achar que é maior a chance dele ser melhor. Há, ainda, um viés bem egoísta do efeito manada. Trata-se de uma forma de se esconder atrás do outro. Se o restaurante for ruim, culpam-se os que ali estavam antes por dar crédito ao estabelecimento – ou o alvo também pode ser a avaliação feita por clientes no Yelp. Se a opinião de um pitbull online se prova equivocada no Facebook, transfere-se a razão para o outro, para o restante do grupo. O já velho “só disse porque X e Y compartilharam o post Z”.

Mas não acredito que essa seja a melhor explicação para os pitbulls online. Sim, ela serve. Só que é antiga e pode nos levar a olhar um fenômeno atual por meio de olhos arcaicos.

Acredito que a dimensão que o discurso raivoso e extremo tem tomado no Facebook está ligada a propriedades intrínsecas da internet que têm sido mal exploradas por alguns (vários, na real). Como a falta de amarras, a possibilidade de escrever o que se quer, a qualquer momento, o anonimato e a maior proximidade entre as pessoas no mundo virtual.

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Segundo estudo recente do Facebook, por exemplo, a rede social diminuiu pela metade os graus de separação entre indivíduos, de seis para três. São óbvias e bem-vindas as vantagens desse fato, assim como de todas as propriedades libertárias e democráticas da web. Contudo, isso também veio com efeitos negativos. Um deles é que essa maior proximidade não diminuiu o distanciamento entre pessoas com culturas e pontos de vista diferentes. Pelo contrário, a maioria tende a se aproximar daqueles que parecem ter gostos e opiniões iguais a eles. Ou seja, cortaram-se os graus de separação entre os iguais, tão-somente.

Um estudo do americano Georgia Institute of Technology apontou que, dentre indivíduos que discutem política no Facebook, 70% não aceitam conversar com qualquer um que tenha opinião distinta à dele. Além disso, 60% preferem ainda simplesmente ignorar qualquer publicação que não apoie o que a pessoa já pensa sobre o mundo. As redes sociais em quase nada fomentam as conversas racionais e moderadas. O que elas fazem é dar respaldo à própria opinião e, assim, inflá-la.

Como passarinhos se juntam em bando para voar para o mesmo lugar, os usuários do Twitter se aglomeram em torno daqueles que julgam como iguais. Um outro estudo, da Universidade de Washington, mostrou como mais de 70% dos posts no Facebook simplesmente repetem o que dizem os amigos dessa pessoa no mesmo Facebook. Por essa razão, há a sensação de que, quando se defende uma opinião radical (ainda mais política, convenhamos), há respaldo completo nas redes sociais.

Meu caro, o aviso: seus amigos curtirem o que você disse não quer dizer que o post foi mais, ou menos, verdadeiro ou inteligente. Também não significa que todos do Brasil, ou do Facebook, concordam com você. Só mostra como só pertencem ao teu círculo de amizades aqueles dispostos a apoiar qualquer asneira dita, contanto que seja dita por um amigo. É o que acaba por inflamar o discurso, torná-lo raivoso. Afinal: “Se todo mundo tá do meu lado, vou latir aqui feito um pitbull”.

Aí entra a questão do (aparente) anonimato da internet. Se só pertencem seus iguais ao teu mundo particular no Facebook, aumenta-se a distância entre quem agride e quem é agredido. É como na parte egoísta do efeito manada. A opinião radical, polarizada, se esconde atrás de um bando de amiguinhos – e está distante demais do alvo da crítica para ser realmente levada em conta. Sim, na prática, é também por isso que o post é de total irrelevância para além dos próprios amigos. Contudo, o fato também protege o pitbull online para que ele possa continuar a latir por aí.

Há, porém, outro efeito tenebroso da ascensão das matilhas de pitbulls online: a proliferação da mentira. Raciocinemos. Se um indivíduo se cerca apenas de informações iguais, torna-se fácil cair em armadilhas. Dois exemplos:

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– circula pela internet uma suposta fala do presidente americano Barack Obama, que teria dito “estão caçando juízes ao invés de bandidos no Brasil”. O inusitado é que usaram um vídeo real dele, só que trocando as legendas. Quem não fala inglês cai na armadilha. Aí, a “notícia” se espalha pelo Facebook. Como ela se dissemina entre pessoas que concordam com a fala, acaba-se por compartilhá-la sem checá-la. Se alguém chega e diz: “isso tá errado”. A resposta costuma ser: “não, pois foi meu amigo X que me mandou, e ele é bem confiável, informado”.

– do outro lado dessa polarização, espalhou-se que o juiz federal Sérgio Moro estaria trabalhando para o PSDB, assim como sua esposa, e que teria desviado 500 milhões de reais da prefeitura de Maringá. Mais uma vez, falso. Porém, ganhou ares de “verdade” no Facebook (dentre aqueles que viram vantagem em acreditar em tal conteúdo).

Dá certo alívio saber que a discussão em torno da existência dos pibulls online está ganhando força. Essa é uma das razões por trás das novas opções de reações divulgadas pelo Facebook. Antes, só havia a opção de curtir ou não um post. Agora, se pode ter raiva, tristeza, alegria, asco ou amor. Claro, longe do suficiente para exibir toda a complexidade que pode ganhar uma discussão. Mas já é um (bom) começo. O debate chegou ainda à ONU, que no ano passado promoveu um congresso sobre “radicalização” e “extremismo” na internet – com grande foco no crescimento online de grupos como o Estado Islâmico, mas cuja discussão também serviria ao atual cenário brasileiro.

Aos amigos do Facebook sugiro calma nos debates. Mais que isso, respeito pelo próximo e um pouco de inteligência antes de compartilhar “notícias” por aí. Dê um Google, ao menos (tão fácil!), para observar se sites realmente confiáveis respaldaram essas informações. Ou se elas não passam de mentiras.

Para acompanhar este blog, siga-me no Twitter, em @FilipeVilicic, e no Facebook.

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