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O perigo de tentar proibir a mentira (e fake news) nas redes

Uma leva de ofensivas contra a liberdade de expressão tem se apoiado na desculpa de combate à disseminação de mentiras pela internet

Por Filipe Vilicic 24 abr 2019, 19h39

Há uma onda de ataques à liberdade de expressão. Há meros 10 anos, contudo, seria de estranhar as justificativas usadas para as novas ofensivas. Aqueles que querem conter nosso direito de falar qualquer coisa (e discordar de qualquer coisa; e criticar quaisquer autoridades…) na internet se apoiam, em linhas gerais, na justificativa de assim defenderem as notícias, o que seriam os fatos, a verdade, em oposição à fofocaiada, as fake news, a mentira. Protegem que resguardariam a liberdade de expressão. Uma lógica torta, invertida, perigosa e, no fim, que só mascara as reais intenções dos censores – a de, em diversos casos, eles mesmos controlarem o poder de determinar o que seriam as “verdades” e, assim, manipular a circulação de informação.

O caso recente de Sri Lanka é exemplar. O governo daquele país bloqueou o acesso às redes sociaisFacebook, YouTube, Instagram, Snapchat, dentre outras – logo após os aterrorizantes atentados que vitimaram mais de 300 inocentes. A justificativa dada pelo governo é a de que assim seriam contidos possíveis discursos de ódio e a disseminação de notícias falsas que poderiam incendiar a população e aumentar a violência.

Há razão nesse ponto? À primeira vista, pode ser. Afinal, trata-se do mesmo país no qual mentiras que se espalharam no início do ano passado levaram à violência em massa por toda Sri Lanka. Só que é preciso olhar além do superficial da questão.

Também é lá, em Sri Lanka, que as redes sociais foram determinantes para outra função: impedir um golpe ilegítimo no fim do ano passado. No dia 26 de outubro de 2018, os golpistas, liderados pelo presidente Maithripala Sirisena, substituíram à força o primeiro-ministro. O problema foi quem entrou no lugar: Mahinda Rajapaksa, ex-presidente de cunho autoritário.

Rajapaksa nunca foi fã de liberdades. Logo, o que fez na sequência? Tomou, na base do fuzil, o controle da mídia.

Todavia, tinha algo que ele não conseguiria dominar: as redes sociais. Para domá-las, não bastaria mandar seus militares invadirem as empresas e destituírem donos e jornalistas, como fez. Afinal, quem controla as novas mídias está do outro lado do mundo, no Vale do Silício, a meca das maiores empresas dos Estados Unidos. Ou seja, se quisesse mexer com Facebook e cia, teria de mandar prender Mark Zuckerberg e cia.

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Diante da óbvia impossibilidade, a oposição utilizou as redes para denunciar o golpe de Estado e se organizar para impedi-lo. E com sucesso.

Aí, nesta semana, passado menos de um ano, o que o governo de Sri Lanka viu como solução para conter posturas de ódio no país? Proibir as redes sociais.

A emenda é pior que o soneto. Pois assim Sri Lanka foi na linha daqueles que acham que a culpa pelo ódio e pela violência é das redes sociais, não das pessoas que nela estão.

Pior, seguiu o caminho dos que, para se livrar dos próprios problemas, terceirizam a responsabilidade (lá pro Vale do Silício) e mascaram a situação – que, no caso, não pôde ser retratada pela transparência de um Facebook ou um Instagram. E ainda mais: abriu-se caminho, numa decisão unilateral, para censurar as redes em outras oportunidades, como nas eleições presidenciais vindouras naquela nação; ou, quiçá, num próximo golpe de Estado.

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Ações de censura, transvestidas de bom-mocismo, têm se disseminado. Contaminam, em especial, autoridades de ambições bem contrárias à de resguardar a liberdade de expressão. Isso seja na Sri Lanka, na Hungria, nos EUA, no Brasil.

Por aqui, o siricutico censor vem de todos os lados. Do Executivo, do Congresso e, recentemente, de um ministro do STF que, em meio à desculpa de reprimir fake news, impediu (e depois voltou atrás) a existência de uma notícia verdadeira, publicada na revista digital Crusoé.

É necessário extremo cuidado no combate às chamadas fake news. Assim como a qualquer boataria de WhatsApp.

Esses problemas tão século XXI ganharam tamanha dimensão justamente com inovações que têm definido o século XXI. A exemplo das redes sociais. Sendo assim, a solução para tais tem de ser exigida dessas mesmas redes sociais.

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Não proibindo a expressão da população. A alternativa saudável seria levar Facebook, Twitter e demais a apresentar – como eles mesmos já têm feito, às vezes com sucesso, noutras não, culminando em algumas falhas grotescas – ferramentas para identificar e conter o compartilhamento de discursos de ódio e notícias falsas.

E quando acaba em crimes, de calúnia a situações bem mais graves, a exemplo da organização online de atentados terroristas? Aí quem tem de resolver é o Estado, em parceria com as redes sociais – das quais se pode exigir recursos para tal. Isso na Justiça, investigando, acusando, julgando os culpados.

A armadilha na qual não se deve cair é a de terceirizar a culpa, simplesmente banindo a população da internet. Como fez Sri Lanka. Ou ainda se apoiar na desculpa de combate às maldades postadas online para censurar aqueles que incomodam quem está no poder.

Não é a primeira vez na história que autoridades se apoiam nesse tipo de escusa na tentativa de resguardar seus postos – e, em algumas situações, esconder sujeira. Em texto na Folha de S. Paulo da última segunda (22), Vinicius Mota bem lembrou que já em 1890 o então autoproclamado chefe do Governo Provisório da República, Deodoro da Fonseca, decretou que julgaria “todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama ou por qualquer modo para pô-los em circulação”.

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Qual era a real intenção de Deodoro da Fonseca? Impedir que uma mentira contada em demasia levasse a agressões contra algum popular? Claro que não. O que ele queria mesmo era ter uma desculpinha para poder perseguir e condenar os que se opunham ao seu governo.

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