Bolsonaro: se fez na rede, mas com princípios contrários aos da internet
Numa ironia que retrata o próprio mundo digital, o candidato se promoveu usando um palco que em tese nada deveria ter a ver com o seu tipo de figura
Há um quase consenso de que Jair Bolsonaro só chegou a ser o “Bolsomito” de seus bolsominions pela forma como ele se divulga nas redes sociais, em ambientes virtuais propícios para discursos cheios de ódio, preconceituosos, misóginos etc. Alguns até o chamam de o Trump piorado na versão Herbert Richers. Há outros fatores que o impulsionaram, a exemplo da falência de modelos anteriores de governos, a forma como a população está com medo diante do fato de que cartéis sempre operaram por trás da política e também na maneira como muitas vezes a mídia bateu palmas para o palhaço (e seus discípulos) dançar, o que atraiu público, em vez de afugentar. Mas é certo que a dimensão monstruosa de Bolsonaro só se deu após o mesmo se tornar um assombro nas amaldiçoadas redes sociais.
Amaldiçoadas pois essas acabaram por colocar em xeque muitos valores sob os quais a própria internet foi fundada. Os criadores da web, a exemplo do cientista inglês Tim Berners-Lee, moldaram a rede, de forma pública, com direitos abertos, sem ganhar pelas patentes milionárias que poderiam conseguir por isso, justamente com a ambição de construir um campo pacífico para o diálogo, a troca de ideias, a democracia, a disseminação de conhecimento e por aí vai.
O grupo do qual Berners-Lee se tornou o membro mais conhecido pensava que assim conseguiria promover a união dos povos, a diversidade da humanidade, as ciências – tanto que inicialmente a internet foi pensada como plataforma de troca de dados entre cientistas – e outros elementos que, sonhava ele, culminariam no fim da obscuridade. Só que, em muitos aspectos, ocorreu o extremo oposto disso. Bolsonaro é um ótimo exemplo.
Vide o que ocorreu em sua entrevista ao Jornal Nacional. Após o candidato à presidência condenar o livro Aparelho Sexual & Cia., baseado em uma penca de mentiras, seus seguidores mais fanáticos começaram a clamar nas redes sociais por, acredite, a queima da obra em praça pública. Coisa que faz lembrar um tal de Eixo, sabe? Ou mesmo, como explanei em meu blog pessoal, distopias no estilo Conto da Aia (The Handmaid’s Tale).
Assim a internet é usada para incinerar conhecimento, em vez de promovê-lo, como esperavam os cientistas que a criaram.
Bolsonaro já falou ainda de fechar o Congresso, refletindo posição antidemocrática nada a ver com os fundamentos da web. Também não teve vergonha de tratar domésticas e domésticos como uma classe que deveria merecer menos direitos que as outras, remetendo o pensamento a como se tratavam de “castas inferiores”, a exemplo de escravos, na era colonial. E ele tem tantos dizeres autocratas, sexistas e racistas, que inflam sua turba de bolsominons no Twitter e no Facebook, que seria repeteco demais voltar a colá-los aqui. Basta dar um Google.
São atitudes sinistras, obscuras, que favorecem o ódio frente ao conhecimento, em especial o científico. Vale recordar que no exemplo falamos de um legislador que em tanto tempo de carreira só conseguiu aprovar dois projetos, sendo um deles justamente o que procurou regularizar a “pílula do câncer” – essa um fruto direto do populismo e do obscurantismo, da crença no que for, sem necessidade de comprovação pela ciência. Além de ter tentado passar emendas e afins que revelam bem a figura, antidemocrática e antiliberal (apesar de ele tentar vender o contrário, às vezes, àqueles que não têm ideia do que é ser liberal), a exemplo de uma iniciativa pela qual queria proibir, na prática, transexuais de serem chamados pelos nomes que eles mesmos escolhessem.
Em tese, nada a ver com o que era para ser a internet. Na prática, infelizmente tudo a ver com o que se tornou a internet.
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