‘Somos republicanos, mas votamos em Hillary’
Charles Badger, de 27 anos, e Steven Fong, de 48, ambos moradores da capital americana, são republicanos convictos e politicamente ativos. Pela primeira vez, porém, vão votar em um candidato democrata para presidente. Eu conversei com eles em um bar hipster de Washington D.C. Na entrevista, eles explicam suas razões: Você é republicano desde quando? […]
Charles Badger, de 27 anos, e Steven Fong, de 48, ambos moradores da capital americana, são republicanos convictos e politicamente ativos. Pela primeira vez, porém, vão votar em um candidato democrata para presidente. Eu conversei com eles em um bar hipster de Washington D.C. Na entrevista, eles explicam suas razões:
Você é republicano desde quando?
Charles: Sou republicano desde que comecei a votar.
E com quais valores republicanos você se identifica mais?
Charles: Eu fui atraído pela ideia de soluções de livre mercado para resolver problemas sociais. Essa sempre foi minha maior preocupação e meu maior interesse. Eu cresci em comunidades que foram submetidas a muitos desinvestimentos, onde empregos eram escassos, onde oportunidades econômicas eram escassas. Havia muita ruína, muita pobreza e poucas oportunidades. Eu queria saber como trazer empregos para essas áreas, como trazer rendas maiores.
Você acha que no passado os candidatos republicanos representavam esses valores?
Charles: Nos ciclos eleitorais passados os republicanos representavam isso, com certeza. Eu votei no Mitt Romney (candidato republicano em 2012) e no John McCain (em 2008). Eu achava que nas políticas fiscais e regulatórias, em termos de geração de emprego, eles seriam bons presidentes para o tipo de comunidade em que eu cresci. E eu estou absolutamente confiante que Donald Trump não se encaixa nessa descrição.
Por isso você decidiu votar pela Hillary?
Charles: Ela não foi minha primeira escolha. Eu votei por Jeb Bush nas primárias, ele era meu candidato preferido.
Como ele não se tornou o candidato republicano, você decidiu votar em Hillary?
Charles: Eu acho que ela é a melhor das opções que restaram.
Steve: Absolutamente. Ela tem experiência, e eu acho que isso é o que muitos eleitores republicanos queriam. Alguém com mão firme e bem informado. Alguém que tem experiência para nos guiar para frente de um jeito forte e firme. O que Donald Trump está prometendo é muito disruptivo. Muito do que ele está propondo em termos de políticas é apenas uma forma de destilar raiva. E não é desse jeito que os republicanos tradicionalmente trataram de liderar o país.
Você se refere ao que ele fala a respeito de imigração?
Charles: Ele é terrível na questão imigração. George W. Bush foi reeleito em 2004 com mais de 40% de votos de hispânicos. Ou seja, nós, como partido, estávamos quase dividindo meio a meio os votos hispânicos com os democratas. Isso foi histórico. E agora retrocedemos completamente nessa conquista na era Trump. Mesmo antes de Bush se tornar presidente, quando era governador do Texas, ele tinha essa frase famosa de que os valores da família não param na fronteira com o México, para fazer as pessoas entenderem que esses são nosso vizinhos. Mesmo que não falem inglês, mesmo que não se pareçam conosco, mesmo que não rezem para o mesmo Deus, mesmo que venham de um país diferente. Isso é algo muito diferente do que temos no candidato desse ano, que faz declarações racistas. Ele insiste que uma pessoa de ascendência mexicana não pode ter seu emprego apenas por causa da origem de sua família. Entre Bush e Trump, demos uma guinada de 180 graus.
Você concorda?
Steve: Sim. A votação dos asiáticos americanos também costumava se dividir meio a meio para republicanos e democratas.
Em quanto está o voto hispânico e asiático para o candidato republicano, agora?
Steve: Antes mesmo de Trump, nós caímos para 18% em 2012. É vergonhoso que essas comunidades não acreditem que os republicanos representem seus valores e interesses. Nesse ano, estamos abaixo dos 18%. O país está se tornando mais diverso. Sempre quisemos garantir que a prosperidade se espalhasse através da linha racial e através das comunidades para beneficiá-las com os valores nacionais. Muitos grupos de imigrantes se tornaram bem-sucedidos, se tornaram líderes na comunidade. Irlandeses e italianos, por exemplo, venceram seus estereótipos. Nós queremos isso para todas as outras comunidades minoritárias. Trump está nos puxando para trás, depois de todo o trabalho que fizemos.
Você acha que Trump está deixando todas as minorias de lado, além dos hispânicos?
[Steve] Sim. Trump está mergulhando de cabeça em uma estratégia baseada em conquistar os votos de homens brancos com baixo nível educacional. Ele fez deles sua base desde o primeiro dia, desde que ele anunciou sua candidatura e chamou todos os mexicanos imigrantes de estupradores e assaltantes. Uma declaração abominável, que qualquer pessoa que aspire a qualquer posição de liderança em qualquer país, ainda mais neste, jamais diria sobre os cidadãos.
A divisão entre republicanos e democratas costumava ser ideológica. Agora ela tem uma faceta racial, também, certo?
[Steve] Existem muitas pessoas que não estão confortáveis com as mudanças no país. Nós costumávamos lidar com isso, costumávamos crescer e aprender com isso, e nos adaptarmos. O que essas pessoas estão dizendo é que não querem essas mudanças. Trump está ganhando todas elas. Ele as está encorajando, intencionalmente ou não. Ele está dizendo que não tem problema ter raiva, que não tem problema reagir. Resistir às mudança globais e à imigração é como gritar com uma tempestade ou com o movimento de rotação da Terra. É inútil. Esses fenômenos têm problemas que precisam ser equacionados, mas é preciso manter alguma decência humana básica.
Trump também disse que muçulmanos não deveriam entrar no país. Essa é uma preocupação para vocês também ou vocês acham que existem outras maneiras de lutar contra o terrorismo?
Steve: Certamente existem outras maneiras de lutar contra o terrorismo. Nós temos tecnologia avançada, temos conhecimento avançado e técnicas de vigilância. Uma das coisas que nós, como país, aprendemos é que precisamos ter muito cuidado com soluções baseadas em etnias ou em religião. Porque nós vimos como foi aplicado, como foi usado, e como se tornou um abuso. Isso é parte da nossa história, e o que é mais terrível é que o Partido Republicano fala tanto sobre tradição e história, mas convenientemente esquece certas coisas. Esquece, por exemplo, de enfatizar as contribuições históricas de pessoas dessas comunidades e dessas origens diferentes para o país.
Charles: Há pesquisas mostrando que a grande maioria dos apoiadores de Trump acreditam que o presidente Obama é muçulmano, que ele é do Quênia, que ele não é um americano. Trump está falando para esse público, o que é nojento. É um argumento baseado em raça, é um dogmatismo racial. Ele está encorajando as pessoas a terem medo e a usarem certas comunidades como bodes expiatórios para seus problemas, a apontar os dedos para os negros dizendo que eles são a origem do problema, a culpá-los, a ter medo deles, a odiá-los. Essa é uma campanha de ódio, que promove ódio, e esse fundamentalmente não é o país receptivo para pessoas de outras etnias que queremos.
Steve: Ele desumaniza as pessoas. Não estou dizendo para simpatizarmos com todas, mas ainda é necessário olhar para elas como seres humanos. Trump está usando os estereótipos para explorar o medo do “outro”: se alguém é muçulmano, isso quer dizer que ele não é um de nós, que ele não é bom. Então, o problema não é apenas que Barack Obama seja negro, algo que os americanos aceitam bem, mas que ele é “muçulmano”. Dessa forma, Trump apresenta os negros como muçulmanos, como um grupo que não pode ser legítimo, que não pode ter um presidente. Essa é a parte mais terrível dessa campanha.
Que tipo de republicano gosta dessa retórica?
Charles: Vi uma pesquisa mostrando que a vasta maioria dos apoiadores do Trump nunca deixaram a cidade ou o condado onde nasceram. Eles vivem numa bolha. O país está dividido ideologicamente de maneira geográfica e espacial. Cada vez mais nós americanos entramos nesses pequenos casulos de igrejas, de locais de trabalho, de clubes, de pessoas que se parecem conosco, que têm a mesma origem ou que são da mesma classe econômica. São bolhas cada vez menores que não nos permite relacionar com pessoas que têm vidas diferentes, que vivem em um outro tipo de comunidade, que falam outra língua ou praticam uma religião diferente. É realmente um mundo muito insular. Essa parcela dos eleitores quer voltar para 1950, o que significa voltar atrás com o progresso, com o progresso de gênero, em termos raciais e em termos do progresso social. Eles querem voltar atrás com tudo isso e instalar-se em uma bolha.
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O que vocês acham que vai acontecer com o Partido Republicano depois das eleições?
Charles: Uma grande sessão de terapia, para começar.
Steve: É muito difícil. Muitos integrantes do partido que simpatizam com certos valores de uma época distante não estão se ajustando aos dias de hoje. Nossos líderes deveriam ajudá-los nesse processo, protegendo as coisas boas que tivemos no passado. Nós não estamos jogando fora o passado, estamos tentando proteger e levar muita coisa conosco que nos ensina como administrar e liderar como um grande país. O partido errou ao ter medo de dizer às pessoas que querer viver no passado não é mais aceitável. E que isso não as impede de continuar vivendo a vida delas do jeito que quiserem. Essa é uma das coisas com a qual o Partido Republicano tem se estressado: individualmente, nós podemos fazer o que quisermos, mas não podemos traduzir isso para a vida pública. Nós não vamos legislar ódio, nós não vamos legislar discriminação, preconceito.
Você não pode dizer às outras pessoas como viver a vida delas, e não pode dizer ao mundo como ele deve ser. Mas você pode viver sua vida do jeito que quiser, e nós vamos lhe deixar em paz. O partido deixou as pessoas infiltrarem suas vontades nas posições de poder e deixou que elas dissessem: “nós vamos tentar trazer de volta uma época da qual gostamos mais, e trazer de volta um mundo no qual nossas crenças religiosas, ideológicas, pessoais, se encaixam melhor, ou nos agrada e recusar o caminho que resto do mundo decidiu seguir”. No geral, todos nós podemos concordar que o mundo de hoje é um bom mundo. Donald Trump está lá fora falando “vamos devolver a grandeza aos Estados Unidos”, mas nós ainda somos um país incrível.
Hillary Clinton disse que apoia os tratados de livre comércio. Trump disse que essa é uma maneira de enviar empregos para fora do país. O que vocês pensam disso?
Charles: Todo político moderno reconhece, pelo menos no mundo democrático ocidental, que quanto mais clientes você tem para seus produtos, melhor para todos. Essa é a lógica do livre comércio: ter mais clientes. Se você restringir os seus clientes somente àqueles que vivem no seu país, você está artificialmente reduzindo o número potencial de clientes. Quando você se abre a outros países, as suas empresas podem vender produtos a mais países. Mas tudo tem consequências, então muitas comunidades estão sendo deixadas para trás nesse país, em cidades com fábricas obsoletas. Precisamos de uma abordagem de política pública que possa trazer oportunidades e empregos para essas regiões, não uma campanha de raiva, medo e ressentimentos, ou de bodes-expiatórios.
E quais são os pontos fracos de Hillary Clinton?
Steve: Seria preferível um candidato que refletisse melhor a ética, em quem se pudesse confiar e do qual pudéssemos nos orgulhar. Isso é difícil no caso dela. Acho que esse é o grande problema.
Hillary é o menor de dois males?
Steve: Ela é a melhor dos piores. Devemos ter esperança de que ela se torne uma grande presidente. Republicanos e democratas vivemos no mesmo país, e todos nós colhemos dos seus benefícios e das suas perdas. Nós precisamos querer que Hillary seja bem-sucedida.
(Com transcrição de Luiza Queiroz)