WWF alerta que hidrovia no Rio Paraguai é risco para integridade do Pantanal
Projeto de integração econômica com os países vizinhos avança, apesar dos avisos de ambientalistas sobre queda da vazão de água essencial para a biodiversidade
Os problemas no Pantanal só aumentam. A maior planície contínua alagada do mundo encolheu 29% nos últimos dez anos, o que segundo especialistas contribuiu muito para o aumento de queimadas na região. No balanço desse ano, nos primeiros setes meses, o bioma ardeu em chamas de tal forma que uma área equivalente a quatro cidades de São Paulo foi torrada. Enquanto isso o governo avança com as tratativas para construção de uma hidrovia no Rio Paraguai, com o objetivo de aumentar a integração comercial na América do Sul e principalmente com os países vizinhos, Bolívia, Uruguai, Paraguai e Argentina. Em maio, a Agência Nacional de Águas declarou situação de escassez hídrica até 31 de outubro. E a situação que já é crítica pode piorar caso o projeto da hidrovia realmente saia do papel. Para entender melhor o impacto das obras necessárias para o aumento de 10 vezes da capacidade de navegação, desejada pelo governo brasileiro, VEJA procurou Silvia Santana Zanatta, especialista em conservação do WWF-Brasil, que acompanha o assunto de perto. “Estudos indicam que uma diminuição de apenas 25 centímetros no nível do rio pode reduzir a área inundada em até 6.000 km², impactando diretamente a biodiversidade”, disse ela em entrevista. Apesar de ser pouco discutida pela Brasil, a questão tem sido destaque de publicações internacionais como o The Guardian e o The New York Times. Abaixo, as explicações da especialista dos motivos que deveriam impedir que essa empreitada siga em frente.
A hidrovia do Rio Paraguai será um risco para o nível da vazão do Rio Paraguai? Isso é correto? Sim, isso é correto. A construção de uma hidrovia no Rio Paraguai pode resultar em um Pantanal ainda mais seco, afetando drasticamente as áreas de conservação prioritárias e promovendo uma alteração importante na dinâmica hídrica da região.
A diminuição afeta tão fortemente o bioma? Infelizmente, afeta. Para viabilizar a hidrovia, será necessário dragar o rio em vários pontos, criando um canal mais profundo e largo para o tráfego de grandes barcaças. Esse aprofundamento do leito resultaria em níveis de água mais baixos e no encolhimento do ecossistema da planície de inundação. Em síntese, a água que normalmente se espalha por centenas de quilômetros durante os períodos de cheia ficaria concentrada no leito – rebaixado artificialmente – do rio, escoando rapidamente para fora do Pantanal, ao invés de inundar os campos ao redor.
Qual é a real consequência disso? A consequência disso é considerável: menos inundação significa menos habitat aquático, que é crucial para a sobrevivência de peixes, aves e outras espécies nas zonas úmidas. Estudos indicam que uma diminuição de apenas 25 centímetros no nível do rio pode reduzir a área inundada em até 6.000 km², impactando diretamente a biodiversidade. Além disso, também é previsto para viabilização da hidrovia, o “endireitamento” do rio, com a remoção de meandros e a criação de canais mais retos, o que altera a capacidade natural do rio de transportar água. Isso pode levar à erosão do leito, desconexão de habitats de várzea e uma redução do nível do lençol freático, comprometendo a biodiversidade e os processos ecológicos do Pantanal.
A alteração traz mudanças para o clima? Essas modificações na hidrologia do rio não só degradam os ecossistemas locais, como também afetam o clima regional. O Pantanal, reconhecido como grande superfície de evaporação de água doce do planeta, exerce uma função essencial na modulação do clima regional. A redução das inundações poderia intensificar os efeitos das mudanças climáticas, como secas prolongadas, calor extremo e chuvas mais intensas e imprevisíveis, além de aumentar a frequência de incêndios na região. O Pantanal, que funciona como uma esponja natural, retendo e drenando a água lentamente, perderia essa capacidade, resultando em impactos ecológicos, econômicos e climáticos devastadores. E, para além dos impactos de ordem ambiental, o modo de vida das comunidades tradicionais pantaneiras seriam seriamente afetadas. Pois, as pessoas que vivem no Pantanal são altamente dependentes do regime natural de inundações. A redução das inundações pode afetar a segurança alimentar, o acesso a territórios tradicionais e as dinâmicas sociais das comunidades locais. Para preservarmos o Pantanal é essencial que o fluxo das águas seja respeitado. Um ambiente tão sensível como a planície pantaneira não suporta intervenções tão drásticas.
O Rio Paraguai é o principal sustento da biodiversidade da região pantaneira? Sim, o Rio Paraguai é crucial para a biodiversidade do Pantanal. Como o principal rio da região, ele regula o regime de inundação da planície pantaneira, um processo fundamental que sustenta a rica diversidade de vida no bioma. Durante os períodos de cheia, suas águas se espalham por vastas áreas, criando habitats temporários e permanentes que são essenciais para inúmeras espécies de peixes, aves, mamíferos e plantas adaptadas a essas condições. Além de sustentar a fauna e a flora, o Rio Paraguai também desempenha um papel vital na manutenção dos ciclos hidrológicos que garantem a fertilidade dos solos e a disponibilidade de água doce. As inundações periódicas, impulsionadas pelo rio, permitem a recarga dos aquíferos e a dispersão de nutrientes, criando um ambiente equilibrado que suporta a pesca, a agricultura tradicional, e outras atividades econômicas que dependem diretamente desse ecossistema. Preservar o Rio Paraguai é essencial não apenas para manter o ciclo natural de cheias e secas, mas também para proteger a saúde do Pantanal como um todo. A continuidade da vida no Pantanal, incluindo suas espécies animais e vegetais, bem como as comunidades humanas que dependem desse ecossistema, está intrinsicamente ligada à integridade do Rio Paraguai. Sem sua proteção, a sustentabilidade do Pantanal e sua capacidade de enfrentar as mudanças climáticas e as pressões humanas estariam seriamente comprometidas.
Sabemos, os efeitos da soja e da pecuária no Rio. O quanto isso afeta de fato o Rio Paraguai? Um efeito secundário da diminuição dos campos alagados ao redor do Rio Paraguai seria o aumento da pressão para expandir monoculturas, como a soja, cana-de-açúcar, milho, algodão e pastagens exóticas. A transformação de terras para cultivo agrícola já está progredindo no Pantanal, começando pelas regiões periféricas e ocupando áreas mais secas que têm se tornado “disponíveis” nos últimos anos. Uma vez a vegetação nativa substituída por pastagens cultivadas e monoculturas, as espécies que dependem desses habitats serão diretamente afetadas. Além disso, a agricultura intensiva contribui para a poluição das águas do Rio Paraguai. Pesticidas e outros produtos químicos usados nas plantações acabam se infiltrando, contaminando as cadeias alimentares aquáticas e afetando não só a fauna local, mas também as populações humanas que dependem desses recursos.