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Virada verde: por que Cubatão ganhou selo internacional da ONU

Depois de ser conhecido nacionalmente como Vale da Morte, o município paulista é elogiado pelo extenso trabalho de reconstrução ambiental

Por Valéria França Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 Maio 2025, 08h00

Maior polo petroquímico do Brasil, o município paulista de Cubatão, que em tupi quer dizer “elevação ao pé da cordilheira”, ficou marcado na história e na memória dos brasileiros por uma tragédia ambiental e social. Há quatro décadas, a região viveu uma explosão de casos de recém-nascidos sem cérebro e de problemas respiratórios provocados pelos altos índices de poluentes emitidos pelas indústrias. O cenário de fim de mundo ainda contava com águas contaminadas, peixes mortos e degradação da vegetação nativa de Mata Atlântica. A situação chegou ao ponto de inspirar nos anos 80 uma música do grupo Premê, Lua de Mel, uma crítica ácida e bem-humorada ao clima apocalíptico: “Nuvens de enxofre, ver do mangue o entardecer, e sobre o oleoduto, nosso amor vai arder”, diz uma das estrofes.

Depois de uma sucessão de alertas, de exigências lideradas pela sociedade civil, além da atuação de políticos e empresários sérios, essa trilha sonora soa hoje ultrapassada. A cidade, apelidada em seus piores dias de Vale da Morte, parece renascer, fruto de uma extraordinária e celebrada recuperação. Em abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) entregou para as autoridades de Cubatão o selo Cidades Árvores do Mundo (em inglês, Tree Cities of the World), uma reputada certificação internacional de lugares comprometidos com o plantio de árvores — e onde há árvores, há vida.

MUDANÇA - Vila Parisi nos anos 1980: bairro virou área de estacionamento
MUDANÇA - Vila Parisi nos anos 1980: bairro virou área de estacionamento (Prefeitura Municipal de Cubatão/.)

O tenebroso passado motivou pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias. Diante da situação de emergência, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) foi chamada para estabelecer um programa de combate e controle dos gases, resíduos e efluentes gerados pelas empresas. “O polo industrial foi concebido em uma época em que não tínhamos legislação para esse fim”, diz Marcos Cipriano, gerente da Agência Ambiental de Cubatão, da Cetesb. “Além disso, trata-se de uma região topograficamente imprópria para esse tipo de atividade, em forma de vale, o que dificulta a dispersão dos gases.” As empresas se instalaram ali, contudo, por uma questão de logística: queriam estar próximas ao Porto de Santos e ao Sistema Anchieta-Imigrantes, vias de escoamento de carga do litoral para a capital.

O primeiro passo da recuperação foi exigir a instalação de equipamentos de controle de emissões de gases e a mudança da matriz energética. As refinarias deixaram de queimar óleo combustível com alto teor de enxofre e passaram a utilizar gás natural. Anualmente, registravam-se 80 000 reclamações em relação ao odor de ovo podre, o que raramente acontece hoje. Além de fétido, o ar era quase irrespirável, principalmente para a população da Vila Parisi, bairro miserável que surgiu colado às fábricas e se transformou no principal reduto dos bebês nascidos sem cérebro. “Toda a população dessa região foi deslocada para outras áreas”, diz Irani Quintino Damásio, de 59 anos, que nasceu em Cubatão. O local virou um estacionamento de caminhões. “Antes o ar pegava na garganta. Eu vivia com crises de bronquite”, conta o morador, aliviado com os novos rumos da cidade. Damásio chegou a trabalhar nas petroquímicas, mas se formou em gestão ambiental. Hoje, é um dos agentes de apoio e pesquisa científica e tecnológica do Núcleo Itutinga-Pilões, área de preservação do Parque Estadual da Serra do Mar, localizado poucos metros abaixo da parte do morro atingida pela erosão na década de 1980 e que agora está verdejante.

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arte Cubatão

Para que os ipês e as palmeiras juçara voltassem a reinar na região, houve ainda um programa de reflorestamento aéreo para recompor a vegetação nativa e das encostas. Em dez anos, a recorrente chuva de sementes aumentou a área verde em mais de 1 000 hectares. As emissões de poluentes das 300 indústrias da região diminuíram em 78%. O controle da balneabilidade das águas do mar e dos rios, atualmente rotineiro em todo litoral, começou justamente em Cubatão. Com base nas análises constantes, constatou-se a redução em 92,5% do lançamento de carga orgânica na água, devolvendo vida ao rio local. “Mas ainda há muitos desafios a serem vencidos”, diz Thomaz Toledo, presidente da Cetesb. Há excesso de moradias precárias e só 60% da população tem saneamento básico, o que ainda compromete a saúde e a qualidade das águas. Um ótimo caminho foi percorrido até aqui, é verdade, mas esses números mostram que há ainda muito trabalho por fazer.

Publicado em VEJA de 16 de maio de 2025, edição nº 2944

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