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Poluição provocada por plásticos nos oceanos atinge patamar inédito

Novos trabalhos científicos mostram que os danos já interferem de modo irreversível na natureza

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h47 - Publicado em 20 abr 2024, 08h00

As imagens são tristes. Os sacos e as garrafas de plástico vagam em silêncio no fundo dos mares como marca da mão suja do ser humano. Os detritos sintéticos representam 80% da poluição marinha e parecem eternos, porque a degradação dos materiais leva de 500 a 1 000 anos (veja no quadro). É preocupação ambientalista global. O Brasil, de extenso litoral, com mais de 8 000 quilômetros, é personagem central do drama.

Celebre-se, portanto, a iniciativa do pioneiro e minucioso levantamento do lixo de águas profundas brasileiras, elaborado pelo Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP). Há resíduos indevidos a 1 500 metros de profundidade e em alto-mar nas costas Sul e Sudeste do país. Em 2020, aliás, a Universidade Federal do Ceará já constatara um problema que resulta da imundície: mais da metade dos peixes da Praia de Iracema, em Fortaleza, ingeriram porcaria artificial — e morreram.

DANO - Ilha da Trindade: rochas de cor verde estranha
DANO - Ilha da Trindade: rochas de cor verde estranha (Fernanda Avelar Santos/UFPR//)

Os sinais de estragos brotam como drama. Em 2019, a equipe integrada pela geóloga Fernanda Avelar Santos detectou na Ilha da Trindade, a pouco mais de 1 000 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo, pedras de padrão diferente dos tons acinzentados e avermelhados da areia típica do lugar. As rochas tinham um espantoso brilho esverdeado. As análises de laboratório apontaram nelas sedimentos da praia, carapaças de animais mortos e — sim! — plástico derretido, normalmente usado em embalagens e linhas de pesca.

A identificação do lixo em um ponto distante do continente sugere um nó — o plástico já se integra ao ciclo natural de formação das rochas — e impõe uma indagação: vivemos, enfim, a era geológica chamada de Antropoceno, como a alcunhou parcela da comunidade científica? No Antropoceno, lembre-se, haveria alteração irreversível dos processos biofísicos da Terra em escala planetária. Um recente painel global rechaçou o uso da expressão, por considerá-la apressada. Será? “O achado de Trindade mostra o ser humano como agente geológico”, diz Fernanda Santos. “É necessário que a população saiba que o lixo está disseminado no oceano a ponto de se solidificar.”

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arte plástico

Há planos para frear a invasão plástica — embora a toada de consumo global não autorize esperança. Um projeto implementado em 2021 pela Organização Marítima Internacional (OMI), em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), ajuda as nações em desenvolvimento a aplicar boas práticas para prevenção e controle dos rejeitos da civilização. Trata-se, agora, de aliar o esforço das instituições governamentais com a boa vontade e o dinheiro da iniciativa privada, além do zelo de cada um de nós. Nesse caminho, o da educação ambiental, trabalhos como o desenvolvido em Trindade, mesmo pontuais, são relevantes. A descoberta daquele tom esmeralda deslocado, mancha do descaso, é exemplo de como a humanidade vem passando do ponto de respeito. É urgente uma freada, e não há nela visão romântica alguma, um recuo ao tempo pré-industrial. Basta o cuidado. O oceanógrafo francês Jacques Cousteau (1910-1997), pioneiro nas profundezas do mar azul, sabia das coisas: “Durante a maior parte da história, o homem teve de lutar contra a natureza para sobreviver; neste século, ele está começando a perceber que, para sobreviver, deve protegê-la”.

Publicado em VEJA de 19 de abril de 2024, edição nº 2889

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