Plano do governo para a Mata Atlântica prevê ofensiva judicial e milhares de km de trilhas
Com apenas 24% da vegetação nativa preservada, a Mata Atlântica ganha um novo plano federal de proteção

O governo federal prepara uma ofensiva contra o desmatamento na Mata Atlântica com uma estratégia que vai muito além do combate à degradação: envolve responsabilização judicial de infratores ambientais, restauração ecológica em larga escala e a criação de milhares de quilômetros de trilhas para impulsionar o ecoturismo.
O plano, aprovado em maio pela Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento, marca uma nova fase na política ambiental do país, e chega em um momento em que o bioma mais devastado do Brasil tenta recuperar o que ainda resta.
Com apenas 24% da cobertura vegetal original preservada, a Mata Atlântica perdeu, só em 2024, uma área maior que duas vezes a cidade de Paris, de acordo com o Sistema de Alertas de Desmatamento da Fundação SOS Mata Atlântica.
Ainda assim, houve recuo de 14% em relação ao ano anterior, o que, para o governo, sinaliza que a política de fiscalização pode estar começando a surtir efeito.
Punição exemplar
Um dos pilares do novo plano, batizado de PPMata Atlântica, é o endurecimento da responsabilização jurídica. A meta é instaurar 400 processos administrativos por ano para apurar infrações ambientais e mover pelo menos dez ações civis públicas anuais para reparar os danos à flora.
A expectativa é que as multas e indenizações revertam em recursos para restaurar áreas degradadas, prática que já vem sendo adotada em outros biomas.
Essa guinada jurídica segue o modelo aplicado na Amazônia com o PPCDam, que reduziu o desmatamento em quase 46% entre 2022 e 2024.
Agora, pela primeira vez, todos os seis biomas brasileiros — incluindo Cerrado, Pantanal, Pampa e Caatinga — contam com planos específicos de combate ao desmatamento.
Trilhas como ferramenta de preservação
Enquanto mira os infratores nos tribunais, o governo também aposta na valorização da floresta em pé.
Uma das ações mais visíveis será a implementação de 5,2 mil km de trilhas de longo curso em unidades de conservação federais ainda em 2025.
A rede nacional de trilhas será expandida principalmente nas regiões Sul e Sudeste, com destaque para áreas como a Serra da Mantiqueira, a Serra da Bocaina, o Parque Nacional da Tijuca e a Floresta Nacional de Canela, no Rio Grande do Sul.
Mais do que atrativos turísticos, essas trilhas servirão como instrumentos de gestão ambiental, com sinalização padronizada, monitoramento de visitantes e ações de educação ambiental. O plano prevê ainda o estímulo ao etnoturismo e à visitação em reservas do patrimônio natural.
Recuperar para conservar
Na linha da restauração, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) terá a missão de recuperar pelo menos 10 mil hectares de áreas degradadas até 2027. A ação vai focar especialmente em corredores ecológicos, zonas críticas e unidades de conservação federais.
Apesar de contar com níveis mais avançados de regularização fundiária do que outros biomas, a Mata Atlântica ainda enfrenta gargalos.
Há áreas sob proteção legal que continuam sendo degradadas, como no Vale do Ribeira (SP), onde o governo estadual registrou 631 autos de infração por destruição de vegetação nativa apenas em 2024.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente reconhece que conflitos fundiários dificultam a identificação de responsáveis e atrasam a recuperação ambiental.
Produzir sem destruir
Outro eixo central do plano é o estímulo à transição agroecológica. Serão fomentadas pesquisas, capacitação técnica e assistência a comunidades rurais, com foco no manejo sustentável de espécies nativas e no desenvolvimento de cadeias produtivas ligadas à bioeconomia — como a produção de mel, fitoterápicos e outros extrativos florestais.
A expectativa é impulsionar ao menos 50 projetos voltados à agricultura de base ecológica.
Duas novas unidades de conservação estão previstas para junho, no Paraná: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Faxinal Bom Retiro e a de Faxinal São Roquinho.
A preservação da Mata Atlântica se tornou um dos principais compromissos ambientais do governo Lula, que prometeu zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030. A agenda verde é tratada como prioridade estratégica e política.
O Brasil vai sediar a próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-30), marcada para o final deste ano em Belém, no Pará.
Com o novo plano, o governo espera demonstrar que a pauta ambiental é mais que discurso — e que a floresta que cerca as maiores cidades do país pode voltar a ser uma aliada no combate à crise climática.