ONU desafia Trump e aprova taxa histórica de carbono em navios
Órgão planeja punir navios que não atingirem metas de descarbonização, apesar do alerta de retaliação

Em uma decisão que expõe as tensões entre ambições climáticas e interesses comerciais, diplomatas aprovaram nesta sexta-feira (11) um plano da Organização Marítima Internacional (OMI), agência da ONU, que estabelece uma taxa mínima de US$ 100 por tonelada de CO₂ emitida acima das metas de descarbonização para navios.
A medida foi aprovada apesar das ameaças dos Estados Unidos de retaliar contra a política.
O acordo, que ainda precisa ser formalmente ratificado em outubro, entraria em vigor em 2028 e marca um raro consenso em um organismo profundamente dividido sobre o futuro da transição energética no setor naval.
A proposta recebeu apoio de 63 países membros; outros 16 votaram contra, e 24 se abstiveram. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e outros grandes exportadores de energia lideraram a oposição.
Washington, que se retirou das negociações nesta semana, declarou que poderá adotar “medidas recíprocas” contra qualquer imposição de taxas a seus navios, embora não tenha especificado que tipo de ação considera.
Apesar de ser celebrada como um avanço diplomático, a proposta foi considerada tímida por ambientalistas e analistas do setor. Segundo Faïg Abbasov, diretor do programa de transporte marítimo da ONG Transporte e Meio Ambiente, o plano “não é adequado para atingir as metas intermediárias e de zero líquido da OMI para 2050”.
Ele ponderou, no entanto, que o resultado prova que “o multilateralismo ainda está vivo” e pode criar impulso para o uso de combustíveis alternativos.
O acordo é fruto de quase dois anos de intensas negociações e representa um compromisso entre países que defendiam uma taxa direta por tonelada de CO₂ e outros que preferiam um sistema de comércio de créditos de carbono menos oneroso.
Países insulares do Pacífico, particularmente vulneráveis à elevação do nível do mar, defenderam a taxação como forma eficaz de pressionar armadores a migrarem para combustíveis verdes, ainda escassos e mais caros.
Já os EUA e nações exportadoras argumentaram que o custo extra poderia ser repassado ao consumidor, elevando preços de produtos como alimentos.
O setor marítimo é responsável por cerca de 80% do comércio internacional e responde por cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, de acordo com a OCDE. Atualmente, o transporte naval é quase inteiramente dependente de combustíveis fósseis.
A proposta define duas metas progressivas de descarbonização para navios com mais de 5.000 toneladas brutas.
Aqueles que não atingirem a meta mais ambiciosa terão que pagar US$ 100 anuais por tonelada de CO₂ equivalente emitida acima do limite.
Já embarcações que não cumprirem nem a meta mínima poderão pagar até US$ 380 por tonelada ou adquirir créditos de navios mais eficientes.
As metas começam com uma redução de 17% na intensidade das emissões até 2028, em relação aos níveis de 2008, e avançam para 21% até 2030. A meta menos exigente prevê cortes de 4% e 8% no mesmo período.
Os recursos arrecadados poderão ser usados para subsidiar navios movidos a combustíveis de baixo carbono, financiar tecnologias de descarbonização e mitigar impactos adversos em países em desenvolvimento — um ponto que gerou resistência por parte dos EUA.
Em um acordo anterior, os Estados-membros da OMI já haviam se comprometido a reduzir as emissões do setor em pelo menos 20% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono “por volta de 2050”.
Apesar dos valores elevados propostos — superiores aos € 62 por tonelada cobrados atualmente no mercado europeu de carbono —, especialistas alertam que os incentivos podem ser mal direcionados.
Empresas como a Maersk temem que a política acabe favorecendo combustíveis de menor impacto ambiental, como o gás natural liquefeito, ou até mesmo biocombustíveis de primeira geração, associados ao desmatamento.