O mar não está para peixe: os sinais de alerta para as espécies marinhas
Aquecimento global e pesca, entre outras ações humanas, acarretam uma série de problemas no desenvolvimento
Parece mentira de pescador, que aumenta o tamanho do peixe para impressionar os amigos. Mas não é. Ao analisar dados sobre uma ampla variedade de plantas e animais ao longo dos últimos sessenta anos, um grupo de cientistas de vários países descobriu que, com o passar do tempo, muitas das espécies marinhas encolheram. Nos anos 2050, estima-se que o atum, por exemplo, vá diminuir em 14% a 24% em relação aos anos 2000. No estado americano do Alasca, banhado pelo Oceano Pacífico, de águas outrora mais geladas, o tamanho médio do salmão caiu 6%. Na Suécia, em virtude da temperatura elevada na vizinhança de uma usina elétrica, houve também o triste fenômeno da dimensão subtraída.
Adeus aos grandões, bem-vindos os pequeninos. É reação de cunho evolutivo, já que os bichos menores, rápidos e espertos, têm mais facilidade para escapar dos predadores, inclusive os humanos. Com as transformações, a variedade a singrar os mares foi afetada, mas permaneceu a quantidade total de vida — conhecida no jargão acadêmico como biomassa. O minucioso estudo, liderado pela bióloga portuguesa Inês Santos Martins, foi recentemente publicado na revista Science. O movimento, grosso modo, é resposta contundente da fauna e da flora às mudanças climáticas. Os danos, por óbvio, são volumosos e tendem a se estender, na atual toada da civilização. A ausência de grandes animais pode acarretar consequências sérias nos ecossistemas e nas dinâmicas de crescimento populacional. “A alteração na biodiversidade representa uma profunda reestruturação não apenas das espécies, mas também das principais características dos seres vivos”, escrevem os autores na apresentação do ruidoso e respeitado trabalho.
No Brasil, a isca já foi mordida há algum tempo. Há uma década, uma pesquisa apontou que o desmatamento na Amazônia tinha impacto evidente sobre a vida aquática, podendo reduzir o tamanho dos peixes típicos da região em até 16%. É uma reação em cadeia: a desflorestação aquece os rios, córregos e riachos. O resultado: os processos bioquímicos dos peixes são acelerados, e a demanda por oxigênio aumenta de modo exponencial. Contudo, as guelras, ou brânquias — órgãos que fazem a função de aparelho respiratório —, têm uma área de superfície limitada, que restringe o fornecimento da energia metabólica vital. E, então, o crescimento é freado, como em um bebê incapaz de se alimentar. “Na natureza, os ecossistemas tendem a compensar os obstáculos, em busca de algum equilíbrio de sobrevivência”, afirma o biólogo Paulo Ilha, autor do levantamento amazônico original e hoje analista do Instituto do Meio Ambiente de Garopaba, em Santa Catarina.
É um nó marítimo associado a questões comerciais. A indústria pesqueira moderna tende a preferir peixes maiores, deixando os pequenos para trás — e, contudo, reafirme-se, eles começam a dominar as águas. Cerca de 600 milhões de pessoas em todo o mundo dependem, direta ou indiretamente, da pesca e da venda dos alimentos marinhos. O mercado de peixes e frutos do mar deve totalizar 676 bilhões de dólares em 2024. O encolhimento dos filés pode ter um impacto significativo na renda desses indivíduos, além de provocar alterações significativas nos hábitos alimentares de uma parcela significativa da população, sinônimo de problemas com a saúde. Os peixes são ricos em ômega-3, proteínas de alto valor nutritivo, zinco e vitamina B12. Uma outra boa vantagem é o fato de terem baixo teor de gorduras saturadas.
A pesca, desde tempos imemoriais, de mãos dadas com a caça, é natural, ajudou o ser humano a salvar-se da morte. É recurso que remonta ao período Paleolítico, há 50 000 anos. Houve muita evolução, de conhecimento e equipamentos, mas houve também depredação exponencial, com evidente desrespeito e ataques a espécies em extinção, capturadas em regiões impróprias. A conta está chegando, embora não seja o fim do mundo e novas legislações ambientais possam frear o ponto de não retorno. Se a pesca nos fez humanos, cabe torcer para que não se torne apenas uma atividade do passado.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894