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“O lixo está se instalando perenemente no planeta”, diz geóloga da Unesp

A geóloga Fernanda Avelar Santos, que descobriu rochas de plástico em ilha remota brasileira, destaca o crescente impacto da poluição nos oceanos

Por Ligia Moraes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 13h03 - Publicado em 22 abr 2024, 13h00

O plástico já faz parte do ecossistema marinho. Não há como negar que, se nada for feito, cada vez mais esses detritos integrarão, à força, a paisagem oceânica. O lixo humano, inclusive, já parasita as profundezas dos oceanos brasileiros, como recentemente constatado por pesquisadores do Instituto de Oceanografia da USP. Porém, o lixo não somente habita os mares, mas cada vez mais surgem evidências que esses detritos, principalmente plásticos, embrenham-se na vida marinha – integrando-se a ela. 

Quem identificou a presença do intruso onde ele muitas vezes poderia passar despercebido pelos olhos não treinados foi a geóloga Fernanda Avelar Santos, Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 2019, durante uma expedição na Ilha da Trindade, no Espírito Santo, ela notou pedras com um padrão bem diferente das rochas magmáticas de tons acinzentados e da areia avermelhada típica da ilha. 

O que chamou a atenção de Fernanda, por sua vez, foram as inusuais rochas com um brilho esverdeado. Ao analisar as amostras coletadas, Santos e seus colegas chegaram à conclusão de que eram na verdade um conglomerado de sedimentos da praia, carapaças de animais mortos e plástico derretido – utilizados em embalagens e linhas de pesca. 

A descoberta da jovem geóloga rendeu o ingresso para o seleto The Explorers Club – entidade internacional que reúne exploradores e cientistas dedicados à pesquisa e descoberta em diversas áreas – e fomentou o debate acerca da chegada ao Antropoceno, uma suposta nova era geológica caracterizada pela intensa destruição do homem na Terra. Em entrevista exclusiva a VEJA, Fernanda Avelar Santos comenta o desafio de lidar com a poluição marinha e suas perspectivas para o futuro.

O fenômeno das rochas de plástico na ilha da Trindade destaca o papel do plástico como uma marca distintiva da atividade humana na geologia contemporânea. Como você vê essa conexão entre o surgimento dessas formações e o debate em torno da entrada na era do Antropoceno?

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As amostras tinham características de rochas, mas a análise de laboratório mostrou tratar se de um material de composição artificial, cuja origem está intrinsecamente relacionada ao Antropoceno. Então, eu vejo esse achado como mais um indicativo do ser humano como agente geológico. Aliás, as rochas artificiais terem sido encontradas na remota Ilha da Trindade, localizada 1.140 quilômetros distante de Vitória (ES) e 2.400 km da costa ocidental da África, é um indicativo que o plástico já está muito bem distribuído pelo oceano. A situação ainda se agrava pelo fato da Ilha ser classificado como Monumento Natural, área de proteção máxima do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e ser um dos locais mais importantes de desova de tartarugas-verde do mundo. 

Quais são as possíveis consequências à saúde dos ecossistemas marinhos se as rochas de plástico continuarem a se formar? 

A proliferação de um material artificial em um importante local de preservação é um grande alerta. Inclusive, nós já estamos identificando que alguns desses plásticos possuem aditivos químicos e podem absorver poluentes perigosos que contaminam a natureza. Além disso, apesar de serem rochas de tamanho centimétrico – que cabem na mão – elas já estão se transformando em microplásticos. Preocupantemente, existem estudos que mostram que essas rochas de plástico se transformam em partículas menores mais rapidamente do que o plástico normal. Quanto mais eu estudo, mais eu observo  consequências negativas desse tipo de formação para o meio ambiente.

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Quais medidas urgentes você recomendaria para enfrentar esse desafio crescente da poluição por plástico nas rochas e nos oceanos? Existem estratégias específicas que você acredita serem mais eficazes para mitigar esse problema?

Existem cartilhas prontas de décadas de pesquisa em relação à limpeza dos oceanos, recomendações da Organização Marítima Internacional (OMI) em conjunto com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), por exemplo. O conhecimento já existe. Por isso, é necessária uma aproximação maior da ciência com ações de políticas públicas e, por se tratar do oceano, essas políticas não podem ser somente a nível nacional, dependem de um esforço conjunto e contínuo de alcance mundial.

Pensando no futuro, quais são as suas esperanças e preocupações em relação ao impacto do plástico nas rochas e nos oceanos? Como você enxerga a descoberta em Trindade nesse sentido?

A descoberta foi muito importante para a divulgação científica do problema. É necessário que a população saiba que o lixo está tão disseminado no oceano que já está se solidificando e ficando permanentemente no planeta. As rochas de plástico são um exemplo marcante de como a geologia, ciência que estuda os processo que ocorrem na Terra, pode nos contar uma história importante. Então cabe a nós refletir: que legado queremos deixar da nossa passagem na Terra? É o legado do descontrole, da avidez? Vamos ser lembrados por isso?

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