O avanço da mobilidade urbana com caminhões e ônibus elétricos
Eles ainda são poucos e caros no Brasil, mas as montadoras já preparam veículos pesados sem motor a combustão feitos no país
De tempos em tempos o mundo dos negócios costuma ser chacoalhado por uma mudança radical, capaz de virar do avesso setores inteiros da economia. É o que acontece exatamente neste momento na indústria automobilística. A popularidade dos carros elétricos tem promovido uma abrupta virada que promete deixar no passado a chamada era do petróleo, iniciada nos primórdios do século XX. Um reflexo dessa brutal transformação é a montadora americana Tesla, criada há dezoito anos pelo empreendedor serial Elon Musk para produzir unicamente veículos elétricos. Com capacidade de produção de meio milhão de carros por ano, a empresa valia no dia 1º, quarta-feira, 736 bilhões de dólares, dez vezes mais que a General Motors, fundada há 113 anos e que fabrica 6,8 milhões de automóveis por ano. A guinada para os motores elétricos é tão forte que algumas montadoras já preveem um processo de aposentadoria de motores a gasolina nos países ricos a partir da próxima década — a Volvo, por exemplo, deve deixar de fabricar carros a combustão a partir de 2030.
A transformação que segue a plena potência nos países ricos ainda ocorre em escala reduzida no Brasil. Entre janeiro e abril, a comercialização de carros elétricos (todos importados e com valor acima de 300 000 reais) foi de apenas 426 unidades, número que sobe para 7 290 se incluídos na conta os híbridos (alguns já produzidos localmente). Mas isso não significa que o Brasil esteja ausente do processo de transição dos combustíveis fósseis para a energia limpa. Por aqui, algumas montadoras adotaram uma estratégia peculiar para diminuir as emissões de poluentes por meio da eletricidade e optaram por oferecer veículos como ônibus e caminhões, atualmente movidos a óleo diesel, um dos mais poluentes combustíveis derivados do petróleo. A Volkswagen anunciou recentemente que iniciará a produção dos primeiros caminhões elétricos de entrega urbana do Brasil, enquanto a também alemã Mercedes-Benz promete para 2022 a chegada dos primeiros ônibus elétricos fabricados no país (nada a ver com os velhos trólebus conectados a fios no passado e que rodam ainda hoje em alguns lugares).
Com autonomia de 200 a 250 quilômetros, o e-bus e o e-truck são o primeiro passo em direção ao que os especialistas chamam de eletromobilidade coletiva. Dadas as especificidades do país, analistas do setor reconhecem que a opção pelos veículos de grande porte é a mais conveniente. “O ônibus, por exemplo, opera em um ambiente controlado, com rotas preestabelecidas, e justifica o investimento, pois representa um ganho enorme para a sociedade na redução de poluição ambiental e sonora”, diz Daniel Schnaider, presidente da empresa especializada em gestão de frotas Pointer by PowerFleet.
A estratégia dos ônibus e caminhões elétricos procura seguir a experiência mais bem-sucedida desse segmento, ocorrida na cidade de Shenzen, na China. Capital da indústria de software e de alta tecnologia localizada nos arredores de Hong Kong, a metrópole chinesa substituiu toda a sua frota de 16 000 ônibus com motor a combustão por equivalentes elétricos. Agora, avança na requalificação da frota de táxis, optando, mais uma vez, por um modelo de transporte que atende o maior número de pessoas em detrimento do deslocamento individual. Tamanha iniciativa só foi possível graças a uma política pública agressiva voltada para a redução drástica na emissão de carbono, uma vez que os ônibus elétricos podem chegar a custar três vezes mais do que um coletivo convencional — o que significa algo próximo de 1 milhão de reais, considerando-se o valor de um modelo básico produzido pela Mercedes-Benz no Brasil. A fabricante dos ônibus de Shenzen, a BYD, é hoje a maior montadora global desse segmento. Seus veículos equipam tanto a frota da cidade de Londres, em uma versão de dois andares, como rodam em testes piloto no Brasil. Por aqui, um veículo da BYD iniciou no último dia 27 uma temporada de avaliação no Paraná, operando uma linha intermunicipal entre Curitiba e Ponta Grossa, em um percurso de 117 quilômetros. Os carros reluzentes da Tesla e seus congêneres feitos por outras montadoras podem parecer um sonho distante para os brasileiros, mas os ônibus (e, em breve, os caminhões) elétricos já são uma realidade.
Publicado em VEJA de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754