Cresce a pressão por medidas para evitar colisões entre navios e baleias
Os caminhos deles se cruzam quando começa a migração dos animais, um risco que chega ao Brasil

É momento de celebração, mas convém cuidado. Com o início da temporada de observação das baleias jubartes no Brasil, especialmente próximo a Abrolhos, na Bahia, um problema grave e silencioso volta à tona. Esses mamíferos gigantes, que podem chegar a 16 metros de comprimento e pesar mais de 30 toneladas, começam a migrar das águas geladas da Antártica rumo ao litoral brasileiro para se reproduzir e amamentar seus filhotes. O trajeto, no entanto, é cruzado por navios de carga, cruzeiros e barcos de pesca. O resultado é trágico: pelo menos 18 000 espécimes morrem todos os anos, em média, no mundo, atropelados por embarcações (no Brasil não há estatística confiável). Como apenas uma fração dos corpos encalha na costa, o número pode ser ainda maior. A maioria afunda no oceano, sem testemunhas, porque a colisão nem sempre é percebida pela tripulação. O problema, portanto, é menos visível, mas não menos devastador.
Uma pesquisa publicada na revista Science mapeou as áreas mais críticas ao cruzar registros de 435 000 localizações de cetáceos com o tráfego de 176 000 embarcações rastreadas por satélite. O trecho entre a Bahia e o Rio Grande do Sul aparece entre os principais pontos de risco — justamente a rota migratória das jubartes brasileiras. As espécies mais afetadas são as de grande porte e que passam mais tempo na superfície: além da jubarte, a cachalote, a baleia-azul e baleia-fin. A má notícia: o tráfego naval quadruplicou desde os anos 1990, e a tendência é que triplique até 2050.

Embora o atropelamento seja a face mais visível da ameaça, não é a única. O barulho constante dos motores altera o comportamento dos animais, que passam a evitar regiões barulhentas — mesmo que sejam áreas fundamentais para se alimentar, acasalar ou parir. Estudos mostram que há formas simples de reduzir as trombadas das máquinas com os bichos. Uma das mais eficazes é diminuir a velocidade das embarcações em zonas sensíveis. Reduções de 10% na velocidade podem resultar em até 50% menos mortes. Ainda assim, apenas 6,7% das áreas críticas identificadas no mundo contam com alguma forma de gestão para proteção das baleias.
No Brasil, quase nada foi feito a respeito do problema. “Apesar de termos áreas críticas na costa, ainda não existe nenhuma regulamentação específica para proteger os animais”, diz o biólogo marinho André Silva Barreto, da Universidade do Vale do Itajaí, coautor do estudo da Science. “Estamos muito atrasados nesse debate.” Há, contudo, boas exceções. No litoral norte de São Paulo, o Porto de São Sebastião é considerado o primeiro “amigo da baleia” do país. Desde 2022, as embarcações que cruzam o canal da ilha recebem um guia com instruções para navegar com segurança durante a temporada das jubartes. A cartilha foi elaborada com apoio dos projetos Baleia Jubarte, Baleia à Vista e da ONG americana Great Whale Conservancy. Recomendações: manter o motor em ponto neutro na presença dos animais e respeitar a distância mínima de 100 metros.
Mesmo o turismo pode representar riscos se feito sem controle. Cresce a cada ano o número de operadoras que oferecem serviços de observação dos cetáceos. A curiosidade dos visitantes frequentemente os leva a se aproximar demais das baleias, ignorando as normas de controle. Durante a respiração, a baleia libera um jato de ar com gotículas carregadas de vírus e bactérias — zoonoses que podem afetar os humanos. Além disso, uma caudada inesperada pode até virar um barco pequeno.
O zelo de agora, urgente, ecoa um passado nem tão recente assim. Nos anos 1970, a campanha Save the Whales (Salve as Baleias) foi uma das primeiras a mobilizar o mundo em torno da causa ambiental. A comoção popular resultou em moratórias internacionais e levou o Brasil a proibir a caça em 1986. O efeito é visível: a população de jubartes se recuperou de forma impressionante. Estima-se que mais de 30 000 indivíduos cruzem hoje o litoral brasileiro — e não apenas na Bahia e São Paulo. Nas últimas temporadas, esses cetáceos têm sido vistos com frequência também no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e Santa Catarina.
O retorno da população de baleias, no entanto, as expõe a novos perigos. Elas voltam a áreas que antes frequentavam, hoje dominadas pelo tráfego intenso. Como então conciliar o zelo fundamental com a fauna e o necessário transporte marítimo mundial? Com base na ciência, é preciso encontrar maneiras de fazer andar a coexistência. Para isso, será preciso mais do que tecnologia, com apoio de radares e satélites. Exige-se também uma mudança profunda na forma como se enxerga o oceano — não mais como um espaço vazio e infinito, mas como um ecossistema vivo e vulnerável, equiparável a uma floresta. É o respeito primordial para que espetáculos como o da migração das baleias possa seguir seu curso em paz — e em segurança.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946